Pesquisa sobre a evolução literária no Brasil (7)

Fizemos a destacados escritores, editores, críticos, professores e jornalistas culturais brasileiros a pergunta
Antonio Cestaro, autor de “Arco de virar réu”
01/11/2013

Fizemos a destacados escritores, editores, críticos, professores e jornalistas culturais brasileiros a pergunta:

Tendo em vista a quantidade de livros publicados e a qualidade da prosa e da poesia brasileiras contemporâneas, em sua opinião, a literatura brasileira está num momento bom, mediano ou ruim?

Antonio Cestaro
Ainda que o baixo acesso aos bens culturais deixe grande parte da população do Brasil à margem, a literatura brasileira, que tem sido trabalhada, via de regra, sem uma contrapartida financeira capaz de atrair um número maior de aspirantes a autor e mesmo manter aqueles iniciados concentrados exclusivamente no ofício, não está em seu melhor momento, mas permanece viva, quantitativa e qualitativamente. Temos um quadro deficitário na educação – que não produz uma base numerosa e consistente de leitores qualificados –, um mercado editorial impermeável para os novos autores, uma indústria editorial pouco desenvolvida se comparada com a de países exportadores de propriedade intelectual e, como conseqüência, a desvalorização das obras e dos autores que trabalham conteúdos de qualidade acima da compreensão mediana. Neste cenário complexo, tudo aponta para a necessidade da ampliação da base de leitores qualificados e sensibilizados para os bens e valores culturais do Brasil, e nesse sentido os eventos que se multiplicam envolvendo livros e leitura (feiras, festas, concursos literários, oficinas de criação literárias, saraus de poesia etc.) são muito bem-vindos e apropriados. Uma análise mais assertiva será certamente a do futuro, através das lentes do tempo, capazes de neutralizar a hipermetropia que deturpa a visão atual, mas é razoável afirmar que há autores contemporâneos dotados de talento e de recursos suficientes para perpetuar suas obras. Resta saber quanto espaço a sociedade vai reservar ao silêncio, à concentração e à contemplação que um bom livro às vezes exige, mas sempre merece. Esse último talvez seja o maior dos problemas que a boa literatura enfrenta atualmente.
Antonio Cestaro é editor da Alaúde.

Roberto de Sousa Causo
Frank Cioffi escreveu em 1982 que o surgimento de “um gênero é um fenômeno mais importante do que o aparecimento de um escritor isolado cujas obras evitam as formas estabelecidas”. Um gênero literário vai além da existência de um grupo de escritores que desejam fugir dos padrões correntes de expressão literária, para incluir o surgimento de um público afinado com as práticas do novo gênero.

A grande novidade da literatura brasileira dos últimos doze anos está nos três gêneros que formam o contínuo chamado de ficção especulativa: ficção científica, fantasia e horror. Gêneros que existem aqui desde meados do século 19, mas, como parte de uma tendência internacional impulsionada pelos sucessos de J.K. Rowling e de Tolkien, parecem enfim ter fincado raízes.

A novidade oferece um amplo leque de imagens e estratégias narrativas que a literatura brasileira tem historicamente desprezado – incluindo enredo, força narrativa e a imaginação do maravilhoso, do mágico e do sobrenatural. Como literatura popular, ela valoriza o contemporâneo, a competência técnica, o excesso temático, a codificação de ansiedades e esperanças da época e do lugar – e aquilo que Raymond Chandler chamou de gusto: a expressão do prazer da escrita.

Essa produção ainda está na periferia do sistema literário, mas a recente polêmica entre Paulo Coelho e o MinC (em torno dos 70 escolhidos para representar o Brasil, país tema da Feira de Frankfurt deste ano) foi reveladora da ascensão da fic-spec brasileira: André Vianco, Eduardo Spohr, Giulia Moon, Leonel Caldela, Raphael Draccon e outros são sucesso de vendas, enquanto autores como Braulio Tavares, Jacques Barcia e Cristina Lasaitis desenvolvem uma fic-spec rica em estilo e inovação. Os dois times, porém, são ignorados pelo establishment.

Agora que formalismo, solipsismo e hermetismo literários são questionados e nomes como Todorov, Compagnon e Tezza clamam por um olhar literário voltado para o mundo, a literatura popular está mais presente do que nunca na literatura brasileira, para lembrar que ela nunca abriu mão dessa visada. E talvez para mostrar o caminho.
Roberto de Sousa Causo é escritor.

Claudio Brites
O que é evoluir? Bem, se é ir do bípede para o novo par de pernas P500, que me permitem quebrar a barreira do som em uma estrada asfaltada, acho que a literatura brasileira evoluiu, tecnológica, cibernética… Afinal, papéis não existem mais, gavetas vão mal, solitárias, já não são capazes de armazenar um poema que não se sabe pronto, um romance que não se sabe relevante. E para que pensar? E para que reter? Tudo está pronto, tudo é publicável, é apenas questão de alguns cliques (seja em papel ou em formato eletrônico), e acho isso ótimo, e se daí vai surgir um novo Guimarães Rosa, não importa: a quebra do silêncio é algo memorável (olha aqui algumas lágrimas), fundamental para a mesmice panelística que tomava conta do mercado até aqui. Claro, sempre haverá os que colocarão em questão se as pernas-naturais-que-deus-nos-deu, o que é do divino, deve ser maculado, mesclado, alterado pelo humano (pecador em essência). Os que perguntarão se nesse volume tsunâmico de textos, a literatura não estará então perdida, desfeita, sufocada. E o estético, o poético, o sagrado? Eu não sei, não sei mesmo. Na minha pequeníssima (no que diz respeito ao tempo) inserção do lado de cá do caixa, pude ver que a literatura não vende o suficiente para pagar as contas, a não ser que venda para o governo, seja premiada, embolsada… Até a literatura que vende não vende tanto assim, ainda mais a brasileira, ainda mais a autoral. Talvez não venda nunca, e quiçá quanto menos vender, melhor. Vai ver o poder pernicioso da literatura (tanto da boa quanto da ruim, e ai de quem se perder nessa discussão, é como querer determinar o que é público e o que é privado) deva ser sufocado por textos e mais textos, e só os iniciados, só os loucos, somente esses tentarão encontrar algo que sobre dela. Talvez a Literatura tenha que virar gás. Afinal, evoluir, como diria o tio Darwin, é se adaptar ao meio, é desenvolver características que possam trazer vantagens para a sobrevivência da espécie (ou algo assim). Diante do sufocamento realizado pelo mercado editorial desde sempre, com todos os que se pretendiam escritores enfatizando a permanência de certo cânone, de certo grupo ou ainda de certa estética, a literatura brasileira evoluiu e se tornou líquida. E talvez esteja buscando um estado gasoso, para então só ser detectada pelos cães – ou pelas fuinhas. Literatura gasosa: sem editoras, sem autores, sem suportes, sem palavras.
Claudio Brites é escritor e editor da Terracota.

Luiz Bras

É escritor. Autor de Sozinho no deserto extremo e Paraíso líquido, entre outros.

Rascunho