Pesquisa sobre a evolução literária no Brasil (5)

Fizemos a destacados escritores, editores, críticos, professores e jornalistas culturais brasileiros a pergunta
Luís Augusto Fischer, autor de “Duas formações, uma história” Foto: Tom Silveira
01/09/2013

Fizemos a destacados escritores, editores, críticos, professores e jornalistas culturais brasileiros a pergunta:

Tendo em vista a quantidade de livros publicados e a qualidade da prosa e da poesia brasileiras contemporâneas, a literatura brasileira está num momento bom, mediano ou ruim?

Luís Augusto Fischer
A tua pergunta, em si, tem como resposta obrigatória bom, senão ótimo, em pelo menos três sentidos: primeiro, temos uma grande quantidade de escritores publicando e, em alguma medida, sendo lidos, o que significa a vida da literatura e de qualquer arte; segundo, nas três gerações em ação (desde os oitentões ou quase, como Carlos Heitor Cony, Ferreira Gullar e Luis Fernando Verissimo, passando pela nossa geração, a dos que andam pelos cinqüenta e tantos ou sessenta anos, e chegando aos sub-40) se notam escritores de qualidade indiscutível, que talvez até mesmo marquem seu lugar para o futuro; terceiro, o mercado está vivendo uma maturidade jamais antes vista no país, seja pela compra pelo leitor mesmo, seja pelas compras oficiais, seja ainda pelas feiras, festas e outras atividades ligadas ao livro.

Luiz Bras: A bem-vinda enxurrada de bons autores e livros, de ótimos eventos, prêmios etc., ainda assim não estaria sendo freada por um tsunami estrangeiro? Parece que quando o Brasil finalmente começa a produzir em quantidade e qualidade, o mundo anglófono se mobiliza para nos sufocar.

Primeiro de tudo, boa questão; segundo, dando um passo para trás de modo a ver o panorama mais em conjunto, te respondo que as duas coisas só existem combinadas — estou sendo materialista no melhor sentido: apenas agora o Brasil produz escritores, livros e mesmo leitores como um mercado moderno (escola para todos, ainda que ruim; proliferação de cursos superiores, com financiamento acessível a quase todo mundo, etc.), e por isso mesmo apenas agora entrou no radar das editoras internacionais, que antes sabiam das limitações objetivas de nosso país.

Isso se acrescenta, em terceiro, da fragilidade política da língua portuguesa diante da força política do inglês, do francês e mesmo do espanhol, por motivos diversos (o inglês pela força do mercado, antes Império Britânico, agora norte-americano, mas também pelo pragmatismo lingüístico deles, que nunca tiveram questão contra estrangeirismos, por exemplo, antes incorporando-os na boa); o francês pelo megacentralismo dos temas de educação e até de cultura no mundo francês, de velha tradição centralista; e o espanhol pela diversidade empírica dos países de fala espanhola, agora com os EUA como um mercado importante, diversidade de algum modo acompanhada pela Real Academia desde muito tempo). Sem falar no alemão, minoritário mas claramente uma língua defendida com políticas de Estado.

E nós? Nunca fomos capazes nem de um acordo com os portugas! Nem mesmo um acordo comercial para circulação dos livros impressos cá e lá nos mercados de mesma língua! Nós, que temos a talvez quinta ou no máximo sexta língua mais falada no mundo!

Quer dizer: o tsunami angloparlante nos pega num momento de alta de consumo interno, e em crescimento pelos próximos anos, pelos fatores já mencionados, e sem qualquer política inteligente e consistente de prestígio da língua portuguesa impressa nos livros. Ainda bem que houve o Nobel do Saramago, como contraponto.

Assunto para muitas mangas.
Luís Augusto Fischer é professor de literatura brasileira na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Ronaldo Bressane
Cara, você sabe que eu sou um otimista. Acho que a literatura brasileira vive um momento mágico — com toda a ambigüidade que a palavra carrega. Nunca se publicou tanta literatura brasileira, tanto em prosa quanto em verso. Há escritores surgidos nos anos 1970 e 1980 em plena forma, seguidos pelas gerações noventa, zero-zero e dez, que promoveram uma renovação em vários níveis. Saímos do esquemão viciado Rosa-Drummond-Clarice dos anos 1960 e 1970 para uma multiplicação de talentos de diferentes matizes; há menos gênios isolados e inalcançáveis e mais autores geniais, brilhantes, interessantes. Temos também novos e diversos circuitos de literatura: tanto online (blogs, sites, presença marcante de escritores nas redes sociais) quanto offline (feiras, festas, bienais, ciclos, saraus). E parece que nosso mercado editorial afinal amadureceu, com editoras se associando a gigantes gringas e cada vez mais capitalizadas e imprimindo milhões de exemplares; o nível de qualidade das nossas edições já se ombreia com as melhores publicações estrangeiras.

Por outro lado, a presença da literatura nos jornais diminuiu sensivelmente (suplementos culturais diminuíram ou sumiram) e não existe uma única revista de literatura no país nos moldes da Magazine Littéraire, por exemplo, que agregue tanto o erudito quanto o comercial e o pop — e venda bem nas bancas. E embora a literatura circule mais, não a percebo sendo de fato lida e discutida de modo cultural, ou seja, relacionada diretamente à realidade imediata da sociedade (como acontece com o cinema e a tevê). As tiragens de autores nacionais ainda são ridículas se comparadas mesmo aos hermanos argentinos e colombianos — e estamos a anos-luz de distância de Espanha, França, Alemanha, EUA e Inglaterra. Somos também pouco traduzidos lá fora (embora isso venha mudando; já temos poucos e bons autores contemporâneos nas livrarias alemãs, espanholas, francesas).

E, repetindo a blague de Marçal Aquino, dos tais medíocres três mil exemplares de tiragem de cada primeira edição, certamente 1,5 mil são comprados por… outros escritores. Não percebo que o brasileiro médio esteja de fato interessado na literatura contemporânea — desinteresse que noto até mesmo em jornalistas, artistas, sem falar dos próprios escritores. Fora isso, estamos também ainda no estágio da fetichização da literatura, em que importa mais o acessório do que o conteúdo (“Olha que edição linda essa, preciso ter!” “Mas você vai ler isso?” “Ah, mas pra que ler, né? Bonito é o livro na mesinha de centro, na estante” — sim, já ouvi esse diálogo numa livraria chique).

Enfim, se sou otimista pelo lado da produção e do mercado, pelo lado da cultura temo que estejamos passando direto ao estágio do livro-objeto sem ter passado pelo essencial estágio em que seu conteúdo (a narrativa, a linguagem, a ética, o estilo, os personagens) esteja no centro da vida cultural da sociedade. Somos, afinal, um país novo-rico, que não teve educação suficiente, e portanto ostenta o que gostaria de ter; dá valor à literatura como meio de ascensão social, e não como fruição estética em si. Talvez os filhos e netos dos novos-ricos brasucas tenham a necessária formação para chegar a esse estágio — mas isso depende de uma verdadeira revolução educacional, da qual não vejo nem rastro nem fumaça no horizonte público ou privado do país.

E, se perdermos a chance de fazer essa revolução educacional com os cofres cheios de agora, pode apostar: daqui a vinte anos estaremos tão burros e toscos quanto nos anos 1970.
Ronaldo Bressane é autor de Céu de Lúcifer (Azougue, 2003).

Luiz Bras

É escritor. Autor de Sozinho no deserto extremo e Paraíso líquido, entre outros.

Rascunho