Pesquisa sobre a evolução literária no Brasil (3)

Fizemos a destacados escritores, editores, críticos, professores e jornalistas culturais brasileiros a pergunta
O escritor Marcelino Freire. Foto: Marco Del Fiol
01/07/2013

Fizemos a destacados escritores, editores, críticos, professores e jornalistas culturais brasileiros a pergunta:

Tendo em vista a quantidade de livros publicados e a qualidade da prosa e da poesia brasileiras contemporâneas, em sua opinião, a literatura brasileira está num momento bom, mediano ou ruim?

Marcelino Freire
Li uma entrevista do português António Lobo Antunes em que perguntam o seguinte: “o senhor não acha que tem muita gente escrevendo hoje em dia?”. Ao que ele respondeu: “pior seria se essa gente estivesse a pintar. Imagine só o cheiro de tinta que ficaria. Ou se estivesse a fazer música. Quem agüentaria tanto barulho?”. Eta danado! Mestre, mestre. Deixa o povo escrever, diabo! É escrevendo que se aprende a escrever. Gosto de ver o pessoal produzindo, se arriscando, criando seus blogs, suas próprias editoras, movimentos. Temos, assim, mais opções de leitura; temos mais escolha de liberdade. Não são só as grandes editoras, hoje, que podem dizer o que vale a pena ser lido e ser feito. As pessoas soltaram as letras, libertaram as linhas, correram para gritar seus próprios parágrafos; não estão mais à espera, salve, salve, aleluia!

É comum ler em colunas literárias pelos jornais do país gente bem nova dividindo a página com gente já consagrada, da antiga. Essa pluralidade tira a literatura do casulo e das academias, coloca-a nas ruas, em outras frentes de batalha. Para uma Granta que aparece, uma Granja é criada. É assim que tem de ser. Isso é dez e novo e pulsante e vivo. Gosto da literatura vindo, com força, para a briga, sem nhenhenhém, sem delongas, sem frescura. Por exemplo, destaco como um dos grandes acontecimentos literários de nosso país, nos últimos anos, a produção que vem da periferia de São Paulo, em que acontecem dezenas de saraus e em que apareceram nomes como os de Sérgio Vaz, Alessandro Buzo, Sacolinha e outros mais. Como não? A nossa literatura tem, sim, vivido um tempo de ebulição. O caldeirão está fervendo e sou otimista neste sentido. É dessa mistura que sai poesia e prosa vigorosas. É dessa diversidade que podemos escolher ler um escritor que não seja um escritor bundão. Autor com cara de Jabuti, tô fora. Escritor no Olimpo, sujou!

Não estamos mais no tempo de autor tuberculoso, trancafiado em sanatórios. A postura agora é outra, ora. Escritor é convidado para festas literárias, feiras, baladas, tem de circular dentro e fora do país. Leva vantagem quem, além de soltar o verbo na página, solta o verbo pelas esquinas. Enfim e em resumo: estamos vivendo, sim, um momento bom em nossa literatura. Ruim estava uns anos atrás — nas mãos só de gente que era dona de uma literatura de boutique. Vixe! Vade retro, satanás! Como dizem os escritores do Sarau da Cooperifa: “Vamos fazer barulho”. Com rock não, com poesia. Que “o silêncio é uma prece”. Viva!
Marcelino Freire é autor de Amar é crime (Edith, 2010)

Felipe Lindoso
Pode-se usar vários critérios para tentar responder à questão.

Primeiro, um critério quantitativo. A quantidade de livros publicados no país denota, efetivamente, aquilo que chamou a atenção de Antonio Candido há décadas: temos um sistema literário com escritores que almejam o reconhecimento como tais, um sistema de transmissão (a língua, o mercado editorial) e um público leitor. Esse sistema é cada vez mais forte, maior e mais desenvolvido. E nele cabe e ele abriga uma imensa diversidade de expressões literárias, de temas, de abordagens. São milhares de autores em busca de seus leitores.

Uma segunda medida seria dada pela própria divisão por gêneros. Literatura adulta (ficção e poesia), literatura para crianças e jovens. Mas nesse caso é necessário também considerar as dinâmicas próprias de cada uma delas.

Tome-se a poesia, por exemplo. Na pesquisa Retratos da leitura no Brasil 3 (Instituto Pró-livro/Imprensa Oficial, 2012) temos os seguintes poetas citados entre os vinte e cinco autores brasileiros mais admirados: Carlos Drummond de Andrade (em 5º. lugar), Vinicius de Moraes (8º.), Cecília Meireles (12º.), Manuel Bandeira (16º.), Fernando Pessoa (18º.) e Mario Quintana (23º.). Será que os brasileiros estão lendo assim tanta poesia? A resposta, na verdade, tem a ver com os livros didáticos. Esses poetas aparecem com freqüência nesses livros, e em vários contextos, nem todos ligados ao ensino de literatura. E é significativo que todos estejam solidamente encastelados no cânone. Nada de poetas novos. E esses poetas estão na companhia, na mesma lista, de Monteiro Lobato (por conta da tevê), Maurício de Souza, Ziraldo e Pedro Bandeira. Todos autores amplamente lidos nas escolas.

Essa lista daria pano para muitas mangas, com a presença de outros autores, numa verdadeira salada de frutas: Paulo Coelho (3º.), Zíbia Gasparetto (9º.), Augusto Cury (10º.), Chico Xavier (13º.), padre Marcelo Rossi (14º.) e Silas Malafaia (24º.). Os demais autores citados são do cânone: Machado de Assis (2º.), Jorge Amado (4º.), José de Alencar (7º.), Erico Verissimo (11º.), Paulo Freire (17º.), Clarice Lispector (19º.), Ariano Suassuna (20º.), Graciliano Ramos (21º.) e Mário de Andrade (22º.).

Ou seja, dos autores vivos não há a presença de nenhum dos que estão no campo de apreciação da crítica contemporânea. Há, portanto, uma profunda dissociação entre o que o campo literário (no sentido dado ao termo por Bourdieu) privilegia e o que aparece na preferência dos leitores.

O que leva simplesmente a uma reformulação da pergunta: de que literatura se está falando? Da que entra no radar das forças dominantes do campo literário ou da que, por uma ou outra razão, é efetivamente lida no Brasil?
Felipe Lindoso é jornalista e consultor de políticas públicas para o livro e a leitura.

Santiago Nazarian
Acho que o mais interessante na literatura brasileira atual é a variedade. Não só dos temas e cenários da dita alta literatura, mas até do espaço que já há para a literatura de gênero, o fantástico, o policial, o erótico. Claro, a literatura de gênero ainda não é prestigiosa, ainda há preconceito da classe literária quanto a isso, mas os leitores vêm abraçando mais e mais essas obras.

Antigamente o leitor da literatura fantástica, por exemplo, só se voltava à literatura estrangeira. Hoje, a mídia, os jornais de grande circulação e até os suplementos literários vêm também dando mais espaço a essas obras e aos brasileiros. E vão se ampliando os eventos literários com outros perfis de autores e públicos.

De qualquer forma, ainda acho que precisa crescer muito, em relação ao tamanho do país. Ainda é muito difícil um autor sobreviver e mesmo permanecer se não fizer parte da seleção oficial, da literatura prestigiosa. Costumo dizer que no Brasil ou você é um escritor sério ou você é um escritor ruim. Se não veste a carapuça acadêmica, acaba ficando de fora das panelas, acaba não sendo convidado para muita coisa — e o escritor depende de convites (de eventos, textos) para sobreviver.

Então, acho que é um bom momento para a literatura — tem-se produzido, discutido, há mais espaço e formas de publicação. Mas ainda está longe do ideal. Não tenho muito mais a dizer… Obviamente, para mim, o momento já foi melhor.
Santiago Nazarian é autor de Garotos malditos (Record, 2012)

CONTINUA NA PRÓXIMA EDIÇÃO

Luiz Bras

É escritor. Autor de Sozinho no deserto extremo e Paraíso líquido, entre outros.

Rascunho