Pesquisa sobre a evolução literária no Brasil (2)

Fizemos a destacados escritores, editores, críticos, professores e jornalistas culturais brasileiros a pergunta
Beatriz Bracher, autora de “Anatomia do Paraíso”
01/06/2013

Fizemos a destacados escritores, editores, críticos, professores e jornalistas culturais brasileiros a pergunta:

Tendo em vista a quantidade de livros publicados e a qualidade da prosa e da poesia brasileiras contemporâneas, em sua opinião, a literatura brasileira está num momento bom, mediano ou ruim?

Marcia Tiburi
Qualquer indivíduo que venha a se enfrentar com essa pergunta oferecerá como resposta o seu caráter complicado.

Eu tenho lido várias coisas, me sinto relativamente segura para dizer que nossa situação é pobre, sim, mas não de miséria total. É triste para mim dizer isso, pois preferia afirmar que estamos num período muito rico. Mas tenho a dizer também que, tendo lido muita coisa da produção contemporânea, a verdade que corre no senso comum de que estamos em desgraça é um exagero. O senso comum se alimenta de jornais e revistas, e estes têm limites muito sérios. Há coisas muito boas na ficção e na poesia contemporâneas. Muitos escritores talentosos não estão no palco, no mainstream. E, infelizmente, as pessoas se pautam pelas tendências dominantes expostas na hora de emitir opiniões.

Deleuze, conversando com Claire Parnet, disse que o período francês era pobre culturalmente. Eu considero que a nossa relativa pobreza nas artes, na literatura, no cinema, é efeito do estado geral da educação e da indústria cultural. Nesse aspecto, podemos até achar que estamos num período áureo, pois quem está fazendo literatura no Brasil é um herói. Podia não ter ninguém. Mas há os que resistem. Literatura se tornou resistência. As editoras, para falar da Indústria Cultural do Livro, se pautam cada vez mais por números. A pobreza da literatura é proporcional, nesse sentido, à avareza do capitalismo que reduz tudo à forma de mercadoria. Literatura de verdade não cabe nisso.

A pobreza não é da literatura, mas da morte da exuberância criativa pela religião capitalista…
Marcia Tiburi é autora de Era meu esse rosto (Record, 2012).

José Leonardo Tonus
A resposta mais óbvia a essa questão seria, de fato, afirmar que a literatura brasileira conhece atualmente um momento fasto dentro de sua história, sobretudo se levarmos em conta a multiplicação de seus canais (e atores) de criação, promoção e divulgação. Essa resposta reitera, no entanto, um lugar-comum de grande repercussão na mídia atual que, através de um discurso eufórico (e ideológico), tende a vincular a produção literária nacional à vitalidade econômica que o país (ou parte dele) conhece. O que dissimulam, finalmente, tais pressupostos que tomam como parâmetros os indicadores valorativos, quantitativos e mercadológicos, mas sem analisar a situação real da produção e da circulação da literatura brasileira no país e no estrangeiro? Como explicar, por exemplo, que num país com mais de cem milhões de leitores potenciais, as tiragens de autores nacionais raramente ultrapassem três mil exemplares? Como entender a pouca visibilidade dos escritores situados fora dos eixos da agitação cultural e de suas redes de influência? Como compreender, finalmente, o pouco interesse na divulgação da literatura contemporânea brasileira no exterior? Sim, muita coisa mudou: nos últimos anos a taxa de analfabetismo no Brasil diminuiu drasticamente, o número de editoras multiplicou-se no país, uma parte da literatura nacional concedeu voz aos afásicos sociais, as feiras de livros nacionais e internacionais têm transformado os escritores em novos produtos de consumo até para uma exportação made in Brazil. O que me leva a concluir que, de fato, a literatura brasileira está num momento muito bom, muito bom mesmo, sobretudo por expor publicamente suas velhas e incuráveis mazelas.
José Leonardo Tonus é especialista em literatura brasileira contemporânea na Universidade Paris-Sorbonne

Beatriz Bracher
Sobre a quantidade, em comparação com o início dos anos 1970, que foi quando eu comecei a prestar atenção em livros, acho que vivemos um momento bom. Muitos autores brasileiros têm sido publicados e, o que me parece igualmente importante, vejo que há espaço para eles na mídia (dentro do pouco espaço que existe para a literatura em geral).

No que diz respeito à qualidade, é sempre difícil dizer quais obras ficarão, quem será considerado bom daqui a cinqüenta ou cem anos. Como avaliar a qualidade dos contemporâneos? É tão difícil. Porque o que se escreve está muito próximo, não apenas do fluxo da vida em seu conteúdo, mas em suas maneiras de se expressar, por mais experimentais que elas sejam. Penso que há certa ingenuidade em se acreditar que as linguagens experimentais mais formais estão afastadas do nosso cotidiano, da coloquialidade contemporânea das ruas, como se fosse coisa mental atemporal. Ela está toda marcada pelo nosso tempo e, por isso, quando formos ler esses livros, também eles poderão nos parecer muito datados, coisas que hoje nos parecem tão frescas e atemporais. E o que delimitaria este momento? De 1990 a 2010? Tento me recordar dos autores da década de 1980 e lembro de João Ubaldo Ribeiro, João Gilberto Noll, Dalton Trevisan, Sérgio Sant’Anna. Eles ainda estão aqui.

O Noll é mais contemporâneo e surpreendente do que nunca. E hoje temos Rubens Figueiredo (principalmente O livro dos lobos e oPassageiro do fim do dia), Nuno Ramos (todos), Bernardo Carvalho (principalmente Nove noites e Mongólia, ainda não li O filho da mãe). E talvez outros que ainda não li. De outros autores muito falados eu li o primeiro livro, gostei, li o segundo e parei de gostar inclusive do primeiro. Ainda não li Michel Laub e Veronica Stigger, dizem que são muito bons. Marcelo Mirisola tem livros instigantes (ele é tão ofensivo que nubla a leitura que faço de seus livros, mas sei que são bons). André Sant’Anna, principalmente Sexo, é um grande autor. Gosto do tom triste, errado, de um século 19 ciclicamente sem saída (inclusive na forma narrativa) que há em Cinzas do Norte, de Milton Hatoum.

Como considero Rubens Figueiredo, Nuno Ramos, Bernardo Carvalho e João Gilberto Noll excepcionais, na medida em que podemos dizer algo sobre nossos contemporâneos, diria que a literatura brasileira, em termos de qualidade, está em um momento bom, pois quatro autores com chances de serem lembrados daqui a cinqüenta anos, isso é uma enormidade.
Beatriz Bracher é autora de Meu amor (Editora 34, 2009).

CONTINUA NA PRÓXIMA EDIÇÃO.

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Luiz Bras

É escritor. Autor de Sozinho no deserto extremo e Paraíso líquido, entre outros.

Rascunho