Fizemos a destacados escritores, editores, críticos, professores e jornalistas culturais brasileiros a pergunta:
Tendo em vista a quantidade de livros publicados e a qualidade da prosa e da poesia brasileiras contemporâneas, em sua opinião, a literatura brasileira está num momento bom, mediano ou ruim?
Cadão Volpato
A resposta deveria ser: a literatura brasileira está num momento bom. Quer dizer, já foi tão pior que agora deveria estar perto do paraíso. Mas passa longe do ideal, ou seja, poucos escritores vivem do que escrevem, e isso é uma situação demoníaca, porque você precisa — caso tenha decidido dar uma de Luiz Ruffato, que vive de literatura — juntar um monte de ovinhos desconexos para compor uma cesta. Então, viaja pra lá e pra cá, escreve coisas estranhas para lugares estranhos e assim por diante.
Não é uma reclamação: as coisas estão melhorando. Claro que, ao buscar a profissionalização, um pouco do encanto tende a desaparecer. O encanto da literatura. Afinal, quando vistos de perto, escritores, editores, jornalistas da área e tudo o que gira em torno da escrita costumam ser (para usar uma palavra dura) bastante repulsivos, de tão humanos.
A vida é assim, por que a literatura seria diferente? O que importa é que cada vez mais gente, no Brasil, está escrevendo um material relevante.
Chute uma árvore e dela cairá uma penca de romancistas. A maioria, por enquanto, me parece acomodada demais, sem humor, sem sabedoria e sem risco. Como se pilotasse no automático, esperando o reconhecimento que lhe é devido desde o berço. Eu não acredito nisso. Acredito em trabalho, e trabalhar cansa.
Curioso é que o humor (não o humor profissional, das comédias em pé, deus me livre) tenha migrado para a poesia das meninas. Elas fazem uma poesia cheia de graça. Por que o romance brasileiro anda com a cara tão fechada? Aliás, por que, no romance, as meninas que tentam ser um pouco mais engraçadas forçam a mão no absurdo? É o que tenho visto. Mas continuo um otimista.
Cadão Volpato é autor de Pessoas que passam pelos sonhos (Cosac Naify, 2013)
Laeticia Jensen Eble
É complicado opinar a respeito da literatura brasileira como um todo tomando por base apenas esses aspectos. O par quantidade e qualidade é, por si só, um tanto problemático. Por um lado, em geral, o que é considerado de boa qualidade pelos acadêmicos não coincide com o que o público leitor aprecia — e esse fato decorre não apenas da quantidade de livros publicados e/ou vendidos, mas também de fatores externos, como a projeção do livro em canais midiáticos, independentemente de este ser valorado como bom ou ruim pela crítica especializada. Por outro lado, aquilo que se convenciona como característico de uma literatura que ser quer brasileira em geral não coincide com a diversidade da nossa cultura — antes, é definido arbitrariamente. E por aí vai.
Penso, assim, que a resposta implica também posicionamentos políticos. Nesse sentido, a meu ver, talvez a principal qualidade de parte importante da literatura — e da crítica — produzida no Brasil atualmente seja a capacidade de problematizar e questionar o que está aí colocado na literatura e na sociedade com a qual ela dialoga. É justamente isso que viabiliza a renovação, sem a qual não há o contemporâneo. E esse movimento é sempre positivo.
Entre os educadores, é comum a afirmação de que a formação do leitor literário está vinculada, entre outros aspectos, à identidade que este estabelece com os personagens no decorrer da leitura. Contudo, nossa prosa mostra-se bastante homogênea e hegemônica em relação à essa representação — ponto negativo. Como bem demonstra a pesquisa coordenada pela professora Regina Dalcastagnè, desenvolvida na Universidade de Brasília, na maioria dos romances publicados pelas principais editoras brasileiras prevalece, entre os protagonistas, o personagem masculino, branco, de classe média e heterossexual.
Além disso, continuam sendo reproduzidos estereótipos que vinculam a imagem do negro à pobreza e ao crime; e a da mulher ao espaço doméstico. Como esperar, por exemplo, que leitores de camadas sociais desprivilegiadas identifiquem-se com o que lhes é oferecido? Talvez, então, a palavra-chave hoje não seja publicar, mas produzir. Os movimentos literários que têm surgido nas periferias, as novas vozes, os novos autores, aos quais antes era negado produzir literatura, parecem prenunciar uma efetiva revolução, que poderia, talvez, ajudar a solucionar o problema da falta de leitores, já tantas vezes repisado. Por esse prisma, a literatura brasileira vive um momento bom.
Para concluir, vejo ainda a questão da publicação sob outro viés. Apesar de não se contar com a prática de grandes tiragens, pode-se comemorar o crescimento da produção em um ângulo horizontal, isto é, em sua variedade. Variedade esta que vem comendo pelas bordas, no espaço deixado pelas grandes editoras. Ou seja, as ausências que a pesquisa mencionada aponta têm aos poucos obtido o devido reconhecimento em trabalhos publicados por editoras menores e por editoras marginais. Hoje o mercado conta com editoras dedicadas exclusivamente a publicar literatura afro-brasileira; outras, literatura feita por mulheres; outras, literatura voltada para minorias sexuais, etc. Em que outra época o Brasil vivenciou essa pluralidade de vozes? Mesmo que esse movimento ainda seja incipiente, é, a meu ver, mais um ponto bastante positivo.
Laeticia Jensen Eble é pesquisadora de literatura brasileira contemporânea.