Nos últimos quinze anos, o número de eventos literários importantes cresceu no Brasil. Ao lado das tradicionais Feira do Livro de Porto Alegre (iniciada em 1955), Bienal Internacional do Livro de São Paulo (1970), Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo (1981) e Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro (1983), hoje nós temos a Flip — Festa Literária Internacional de Paraty (2003), o Flop — Fórum das Letras de Ouro Preto (2005) e a Fliporto — Festa Literária Internacional de Pernambuco (2004), além de outras feiras e festas de menor envergadura, realizadas no país todo.
O mesmo pode ser dito a respeito dos prêmios literários. Hoje, além dos Prêmios Literários da Academia Brasileira de Letras, que inclui o tradicional Prêmio Machado de Assis (iniciado em 1941), e do Jabuti (1958), temos o Passo Fundo Zaffari & Bourbon (1999), o Portugal Telecom (2003), os prêmios Literários da Fundação Biblioteca Nacional (2008), o São Paulo de Literatura (2008) e o Moacyr Scliar (2011).
Mas o aumento do número de eventos e prêmios literários, de romances e coletâneas de contos e poemas publicados, de leitores, de novos autores e novas editoras, talvez não signifique muita coisa. Matérias como O vazio da cultura (ou a imbecilização do Brasil), publicada na revista Carta Capital de 6 de fevereiro de 2013, confirmam o ceticismo de inúmeros críticos culturais da imprensa e da universidade. Em sua opinião, apesar do crescimento econômico, apesar de boa parte dos brasileiros ter finalmente escapado da situação de miséria, a literatura brasileira — nossa cultura, de modo geral — está passando por uma das piores fases de sua história.
Chegou a hora de ouvir o que um número maior de protagonistas tem a dizer sobre o assunto. Fizemos a destacados escritores, editores, críticos, professores e jornalistas culturais brasileiros a pergunta:
Tendo em vista a quantidade de livros publicados e a qualidade da prosa e da poesia brasileiras contemporâneas, em sua opinião, a literatura brasileira está num momento bom, mediano ou ruim?
O que motivou essa breve Pesquisa sobre a evolução literária no Brasil foi a leitura da célebre Enquête sur l’évolution littéraire, conduzida de março a julho de 1891 pelo jornalista Jules Huret (1863-1915), famoso por suas entrevistas com escritores. A Enquête logo se tornou um marco do jornalismo cultural, tendo sido publicada também em livro no final do mesmo ano.
Colaborador do Écho de Paris e mais tarde do Figaro, Huret perguntou a sessenta e quatro destacados escritores franceses da época (entre eles Anatole France, Stéphane Mallarmé, Paul Verlaine, Maurice Maeterlinck, Émile Zola, J.-K. Huysmans e Guy de Maupassant) o que pensavam principalmente do naturalismo, se esse movimento ainda estava vivo e, se não, que nova corrente tomaria seu lugar.
Segundo o crítico Arnold Hauser, essa pesquisa de opinião, ao radiografar e estimular mais uma turbulenta virada artística e ideológica, “representa uma das mais importantes fontes informativas para a história intelectual e cultural do período” (História social da arte e da literatura).
Com a palavra, os protagonistas:
Affonso Romano de Sant’Anna
“Esse debate merece uma discussão mais ampla, da qual participem inúmeros agentes do mercado editorial brasileiro. Todos os agentes, todas as gerações devem entrar. Precisamos conhecer até mesmo a opinião estrangeira, a visão que os brasilianistas têm dos fatos. Dessa discussão, um sumário possível pode ser:
1. Mercado livreiro: globalização: gringos comprando nossas editoras e investindo em livros estrangeiros.
2. Fazer algo a mais do que tem sido feito pela Biblioteca Nacional para nossa divulgação. Política de Estado. Exportar literatura, e não apenas mulatas e futebol.
3. O Brasil é provinciano, não participou do boom latino-americano. Drummond, Cabral, Rosa e Clarice — desinteressados.
4. Há vida inteligente fora do eixo Rio-SP, da USP, da Unicamp, da revista Piauí, da Companhia das Letras, da Folha de S. Paulo.
5. Enfoque novo: o leitor. Texto que você conhece: O leitor, onde está o leitor? Editores e livreiros se queixam do excesso de livros. O problema é mais amplo: a falta de leitores. Como produzir leitores? Ver a experiência do PROLER.
6. Como transformar iPads, computadores e telefones em bibliotecas pessoais? Campanha pedagógica sobre como utilizar as novas mídias.
7. O sistema literário tem que ser revisto, está fragmentado. Desintegrou-se o sistema que havia até os anos 1960.
8. Literatura virou espetáculo e marketing. É preciso entender a crise da contemporaneidade.
9. Geração de viajantes pelo país, mil feiras, fóruns, simpósios. Novo bandeirantismo.
10. Precisamos urgentemente de uma análise sociológica, como a feita por Bourdieu na França. O Sergio Miceli talvez tenha algo a dizer.
11. A questão da crítica. Por que acabou ou se transformou? Reportagem e resenha: limites. O isolamento da universidade e a espetacularização da mídia.
12. Há que se ter olhos para o novo. A quantidade de informação circulando é de tal ordem, que são necessários dezenas de críticos e filtros para nos dizer o que ocorre.”
Affonso Romano de Sant’Anna é autor de Sísifo desce a montanha (Rocco, 2011).
…
Cíntia Moscovich
“Sendo bem otimista e desprezando a incrível quantidade de literatura muito ruim — mas muito ruim mesmo — que coexiste com uma literatura esteticamente benfazeja, diria que o momento atual é razoavelmente bom. Se levarmos em consideração a produção literária de uns vinte anos atrás, nos daremos conta de que temos o dobro, se não o triplo ou o quádruplo, de gente escrevendo e publicando. A lista de autores nacionais chega ao nível da inflação, e o Brasil e sua literatura não cessam de ser homenageados em feiras e bienais pelo mundo afora. Mesmo que nem todos sejam bons, pelo menos a literatura e o próprio ato da escrita passaram a ser encarados com mais naturalidade, digamos assim. E o melhor de tudo: a literatura está finalmente dispensada de trazer aquela cor local, tornando-se cosmopolita em definitivo.
Ousando uma abordagem um pouquinho mais ampla, diria que com a emergência de uma nova classe média — e emergência, aqui, tem o duplo sentido de urgência e de emergir mesmo —, a literatura passou também a ser consumida, inclusive como uma espécie de fetiche, símbolo de uma necessária e desejada prosperidade intelectual. Com isso, ao menos em aparência, novos (e também mais velhos) autores têm uma motivação a mais para escrever. A boa notícia, no entanto, não é que há um maior número de autores. O momento bom de nossa literatura se deve ao aumento do número de leitores ou, pelo menos, a um maciço investimento no incentivo à leitura.”
Cíntia Moscovich é autora de Essa coisa brilhante que é a chuva (Record, 2012).