algo acontece pelas frestas do que não acontece (…)
Como se constrói uma imagem pelos interstícios do texto? Caminhos, descaminhos ou um destino certo? Como transformar a luz da escrita, uma fotografia, à luz do texto, e como esse texto ganha outras imagens, sentidos, cores, dores, na cabeça do leitor, que desvela, entre químicos, alquimias e sinapses, fotografias distintas daquelas pensadas pelo escritor?
Se ler ou reler é descobrir mundos; escrever é inventá-los, é inventariá-los ou, muitas vezes, é desconstruí-los. Um texto nem sempre é o que parece ser, pois depende do entendimento do outro, que é diverso ou maior que as personagens de um livro. A cada ponto acrescenta-se uma sentença que antes não existia. A cada ponto… passado, presente e futuro são sem a lógica do tempo, mas é o tempo, aquele que corre solto nos ponteiros do silêncio.
Escrever é amarrar sentidos, enredos, e narrativas com silêncios; coser com linhas invisíveis, imprecisas, mas necessárias quando sabemos que existe um qualquer alvo algures apontado pelo escritor. Ler, ou reler, é desfazer estas costuras tênues; retirar este limo das palavras de quem as escreve, e acrescentar as nossas próprias linhas; apropriarmo-nos desse espaço, bafejá-lo com os nossos silêncios também autorais. O escritor, no seu texto, indica um caminho possível; o leitor apropria-se dele e acrescenta o seu próprio contexto, abre mapas que só ele vê, e que apontam para destinos, muitas vezes, também incertos.
O escritor Thiago Ponce de Moraes, no seu intrigante livro, uma fotografia, esconde mais do que revela, e o que vem à tona pode ser fugidio e algo desfocado; e por isso é preciso forçar a vista para enxergar o interior do vulcão. Olhamos para as impurezas da sua tela em branco e não temos a certeza de que aquilo que vemos é de fato o que está exposto; a paisagem muda segundo a posição da luz; conforme a pegada de cada silêncio.
Talvez este escritor, por vezes, seja dominado pelo próprio leitor que o assombra e, por isso, não seja apenas uma fotografia, a sua fotografia real de um dado momento, o seu umbigo imagético; mas sim um álbum de retratos que o povoa por todos os lados. “É a fotografia de uma narrativa de um porvir ou de algo que poderia ter sido e não foi”, acrescenta.
É como se pudesse (escritor/leitor/fotógrafo) tirar uma fotografia de um sonho sobre um futuro hipotético; ou de uma vida inteira que poderia ter vivido, mas que nunca se concretizou, sendo, no entanto, todos os caminhos possíveis. Esta fotografia, portanto, em nenhum momento, está congelada em qualquer parede de galeria. Ela é viva, metamorfoseia-se e vale exatamente o peso de cada silêncio/caminho que nós lhe quisermos atribuir.

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