Foi um rio que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar
Paulinho da Viola
Embalado nas linhas da epígrafe, do compositor brasileiro Paulinho da Viola, não tenho como discordar da escritora/ilustradora Roberta Asse quando afirma que o rio é uma entidade viva, e que devemos reverenciá-lo, pois, em sua essência, é de fato uma majestade. Em Rio Menino, é construída uma narrativa que é, antes de tudo, um diálogo sensorial entre criança e natureza.
O rio, personagem central, não é apenas cenário, mas um ser com vontades próprias, um amigo que brinca de esconde-esconde, muda de humor com as estações do ano e guarda mistérios no fundo de suas águas. Essa personificação nasce da escuta atenta das crianças ribeirinhas, para quem esse curso d’água é uma extensão do próprio corpo.
Embora classificado como prosa, o livro pulsa com a economia de palavras e a cadência típicas da poesia, confirmando a busca da escritora por uma voz infantil que seja, ao mesmo tempo, lírica e autêntica. E consegue isso, pois há claramente uma poética das águas. Estruturado em fragmentos breves, que equilibram simplicidade e profundidade, aqui, de fato, o menos é mais, e reproduz na exata medida o fluxo despretensioso do pensamento infantil.
Uma linguagem minimalista de uma criança que observa o mundo com olhos atentos, pois este rio de água doce (segundo o personagem, avô) transforma-se num curso de água sem gosto, fresca, e só. A linguagem não é um mero recurso literário da autora; antes, é reflexo da visão de mundo das comunidades ribeirinhas retratadas, onde a natureza é sujeito, e não objeto.
Numa abordagem etnográfica, com sensibilidade e carinho, Roberta Asse evita o exotismo, privilegiando a autenticidade. Talvez o maior mérito deste livro esteja na sua capacidade de ser muitas coisas ao mesmo tempo: poema visual, documento cultural ou uma carta de amor aos rios e às infâncias que neles se formam. A escritora não fala das crianças ribeirinhas; fala com elas — e isso faz toda a diferença.
O resultado é um só: o de um rio literatura (que passa, e que o coração se deixa levar), que segue fluindo na mente do leitor muito depois da última página. No fundo, a escritora também é esta criança ribeirinha, que vê um caudal de vida seguindo o seu curso, enquanto outros enxergam apenas água.

…

…

…

…

…

…

…

…
