Roberta Asse

Ensaio fotográfico com Roberta Asse
Foto: Ozias Filho
01/08/2025

Foi um rio que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar
Paulinho da Viola

Embalado nas linhas da epígrafe, do compositor brasileiro Paulinho da Viola, não tenho como discordar da escritora/ilustradora Roberta Asse quando afirma que o rio é uma entidade viva, e que devemos reverenciá-lo, pois, em sua essência, é de fato uma majestade. Em Rio Menino, é construída uma narrativa que é, antes de tudo, um diálogo sensorial entre criança e natureza.

O rio, personagem central, não é apenas cenário, mas um ser com vontades próprias, um amigo que brinca de esconde-esconde, muda de humor com as estações do ano e guarda mistérios no fundo de suas águas. Essa personificação nasce da escuta atenta das crianças ribeirinhas, para quem esse curso d’água é uma extensão do próprio corpo.

Embora classificado como prosa, o livro pulsa com a economia de palavras e a cadência típicas da poesia, confirmando a busca da escritora por uma voz infantil que seja, ao mesmo tempo, lírica e autêntica. E consegue isso, pois há claramente uma poética das águas. Estruturado em fragmentos breves, que equilibram simplicidade e profundidade, aqui, de fato, o menos é mais, e reproduz na exata medida o fluxo despretensioso do pensamento infantil.

Uma linguagem minimalista de uma criança que observa o mundo com olhos atentos, pois este rio de água doce (segundo o personagem, avô) transforma-se num curso de água sem gosto, fresca, e só. A linguagem não é um mero recurso literário da autora; antes, é reflexo da visão de mundo das comunidades ribeirinhas retratadas, onde a natureza é sujeito, e não objeto.

Numa abordagem etnográfica, com sensibilidade e carinho, Roberta Asse evita o exotismo, privilegiando a autenticidade. Talvez o maior mérito deste livro esteja na sua capacidade de ser muitas coisas ao mesmo tempo: poema visual, documento cultural ou uma carta de amor aos rios e às infâncias que neles se formam. A escritora não fala das crianças ribeirinhas; fala com elas — e isso faz toda a diferença.

O resultado é um só: o de um rio literatura (que passa, e que o coração se deixa levar), que segue fluindo na mente do leitor muito depois da última página. No fundo, a escritora também é esta criança ribeirinha, que vê um caudal de vida seguindo o seu curso, enquanto outros enxergam apenas água.

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho
Roberta Asse
É autora e ilustradora de livros, e pesquisadora das culturas das infâncias. Paulistana, formada em Arquitetura pela FAU-USP, designer gráfica, participou e criou projetos premiados e publicações em meio digital e impresso. É autora da Coleção das crianças daqui, oito livros com narrativas de ficção provocadas por pesquisas e vivências de caráter etnográfico em destinos para conhecer, escutar e aprender com brasileiros do interior do país sobre seus saberes, cultura e cotidiano. Mestre pelo Programa de Estudos Comparados em Literaturas de Língua Portuguesa da Faculdade de Letras da USP e doutoranda no Programa Doutoral em Estudos Literários da Universidade de Aveiro, Portugal.
Ozias Filho

Nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1962. É poeta, fotógrafo, jornalista e editor. Autor de Poemas do dilúvioPáginas despidas, O relógio avariado de DeusInsularesOs cavalos adoram maçãs e Insanos, estes dois últimos, em 2023). Como fotógrafo tem vários livros publicados e integrou a iniciativa Passado e Presente – Lisboa Capital Ibero-americana da Cultura 2017. Publicou em 2022 o seu primeiro livro infantil, Confinados (com ilustrações de Nuno Azevedo). Vive em Portugal desde 1991.

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