(…) é daqui deste silêncio em fogo branco // que te falo.
O silêncio nosso de cada dia. Inseparável. Dormimos, acordamos, vivemos, e morremos com ele. É algo intransferível, pois que tem uma marca pessoal, algo singular no sentir; apesar do ruído que nos atordoa constantemente. O ser humano — não obstante o silêncio que carrega como um fardo —, é o ser do ruído incessante. O silêncio que a maioria rejeita e, por isso, o dial das suas várias estações de rádio estão sempre a mudar de sintonia; quer seja na música a preencher os momentos vagos, ou no ruído das pessoas nos centros comerciais, nas ruas, em qualquer lugar; ou na televisão que não se cala; não vá o silêncio fazer parte do desnorte do dia.
O silêncio que apavora. O silêncio que, ao escutarmos, pode revelar aquilo que mais profundamente incomoda. O silêncio que é fogo, e matéria-prima, no estômago do poeta. O silêncio que é digerido e sublimado em palavras, esculpido à medida do leitor. O silêncio que se escreve e que se lê, mas será que o sentimos da mesma maneira que o escritor verteu para as páginas de um livro?
“Tudo se reduz ao silêncio”, diz Pedro Teixeira Neves, “mesmo que nós queiramos ou ambicionemos, que a palavra seja como um leve eco do nosso sentir (…) sabemos que, mais tarde ou mais cedo, inevitavelmente, será o silêncio a ganhar, (…) e é essa grande perspetiva que faz com que eu, poeta, escreva; que é uma tentativa de luta contra o silêncio.”
Diz ainda que, “a voz de cada poema encontrará ecos diferentes conforme o leitor que estiver à sua frente (…) eu tenho muita dificuldade com a leitura dos meus poemas numa voz terceira; que não tenha o ritmo que eu, ao escrever, emprestei a este poema. Todas as pausas e respirações são muito próprias de quem as escreve”, sublinha. Então podemos também concluir, quer todas as pausas e respirações são muito próprias de quem as lê. O eco que o leitor encontrará nas palavras do outro, será sempre o seu próprio umbigo numa caixa de ressonância?
A leitura é sempre particular, em cada maneira de ver e sentir, é estrangeira àquele que escreve? A voz que ouvimos, no silêncio das palavras do poeta, é sempre a nossa, travestida dos vários eus que passeia confusa dentro de nós, fantasmas movediços; ou haverá, como no desenho de Michelangelo, do teto da Capela Sistina, um quase encontro entre deus e o mortal, uma quase faísca a nos ligar, um quase encontro entre silêncios e vozes, uma quase consonância entre o poeta e o leitor?
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