Pedro Teixeira Neves

Ensaio fotográfico de Pedro Teixeira Neves
Foto: Ozias Filho
01/07/2024

(…) é daqui deste silêncio em fogo branco // que te falo.

O silêncio nosso de cada dia. Inseparável. Dormimos, acordamos, vivemos, e morremos com ele. É algo intransferível, pois que tem uma marca pessoal, algo singular no sentir; apesar do ruído que nos atordoa constantemente. O ser humano — não obstante o silêncio que carrega como um fardo —, é o ser do ruído incessante. O silêncio que a maioria rejeita e, por isso, o dial das suas várias estações de rádio estão sempre a mudar de sintonia; quer seja na música a preencher os momentos vagos, ou no ruído das pessoas nos centros comerciais, nas ruas, em qualquer lugar; ou na televisão que não se cala; não vá o silêncio fazer parte do desnorte do dia.

O silêncio que apavora. O silêncio que, ao escutarmos, pode revelar aquilo que mais profundamente incomoda. O silêncio que é fogo, e matéria-prima, no estômago do poeta. O silêncio que é digerido e sublimado em palavras, esculpido à medida do leitor. O silêncio que se escreve e que se lê, mas será que o sentimos da mesma maneira que o escritor verteu para as páginas de um livro?

“Tudo se reduz ao silêncio”, diz Pedro Teixeira Neves, “mesmo que nós queiramos ou ambicionemos, que a palavra seja como um leve eco do nosso sentir (…) sabemos que, mais tarde ou mais cedo, inevitavelmente, será o silêncio a ganhar, (…) e é essa grande perspetiva que faz com que eu, poeta, escreva; que é uma tentativa de luta contra o silêncio.”

Diz ainda que, “a voz de cada poema encontrará ecos diferentes conforme o leitor que estiver à sua frente (…) eu tenho muita dificuldade com a leitura dos meus poemas numa voz terceira; que não tenha o ritmo que eu, ao escrever, emprestei a este poema. Todas as pausas e respirações são muito próprias de quem as escreve”, sublinha. Então podemos também concluir, quer todas as pausas e respirações são muito próprias de quem as lê. O eco que o leitor encontrará nas palavras do outro, será sempre o seu próprio umbigo numa caixa de ressonância?

A leitura é sempre particular, em cada maneira de ver e sentir, é estrangeira àquele que escreve? A voz que ouvimos, no silêncio das palavras do poeta, é sempre a nossa, travestida dos vários eus que passeia confusa dentro de nós, fantasmas movediços; ou haverá, como no desenho de Michelangelo, do teto da Capela Sistina, um quase encontro entre deus e o mortal, uma quase faísca a nos ligar, um quase encontro entre silêncios e vozes, uma quase consonância entre o poeta e o leitor?

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho
Pedro Teixeira Neves
Nasceu em 1969, em Lisboa. Formado em Relações Internacionais. Jornalista, fotógrafo, ilustrador, pintor nas horas vagas. Trabalhou em diversos jornais e revistas, bem como no programa Câmara Clara, da RTP2. Publicou quatro romances, diversos livros de poesia, contos e literatura infantojuvenil. Ganhou, em 2019, o 1º Prémio do ICA para adaptação a curta-metragem do conto Moulla (com direção de Rui Cardoso). Publicou o livro de fotografia Há fadistas!, com a chancela do Museu do Fado. Publicou na Paper View Books dois livros, um de colagens, outro de criação gráfica. Os seus livros mais recentes (2024) são 365 histórias fulminantes (Ed. Húmus) e Museológica (Poets and Dragons Society).
Ozias Filho

Nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1962. É poeta, fotógrafo, jornalista e editor. Autor de Poemas do dilúvioPáginas despidas, O relógio avariado de DeusInsularesOs cavalos adoram maçãs e Insanos, estes dois últimos, em 2023). Como fotógrafo tem vários livros publicados e integrou a iniciativa Passado e Presente – Lisboa Capital Ibero-americana da Cultura 2017. Publicou em 2022 o seu primeiro livro infantil, Confinados (com ilustrações de Nuno Azevedo). Vive em Portugal desde 1991.

Rascunho