Marília Rossi

Ensaio fotográfico de Marília Rossi
Foto: Ozias Filho
01/06/2024

(…) não me apresento com títulos // (…)
alguns poemas não foram feitos para ter títulos //
meus poemas não sabem se apresentar (…)

Um título é uma maneira de se apresentar, chamar os bois pelos nomes? Direcionar àquilo que queremos dizer? O que nomeamos passa a ganhar algum sentido no nosso léxico como num passe de magia? De um momento para o outro, o nome materializa o universo imagético de cada pessoa? Se dissermos simplesmente “casa”, esta será igual à de uma outra pessoa? Assim também os nomes “João”, “Maria”, “Jeremias”, “Sara” … Assim como cada deus tem a sua representação na cabeça de quem os adora? Ou todas as casas, deuses, e jeremias são todos os mesmos nas bocas de quem os nomeia? Nomes, títulos, apenas?

Nomeamos para compartimentar? Titulamos para resumir um conceito, um poema, uma vida? Nomeamos para dar uma forma ao que nos vai no umbigo; no centro nervoso do nosso sentimento? Ou nomeamos para atribuir algo de personalidade, de identificador para outrem? Eu sou um nome ou a sua representação no olhar do outro? Quando digo Nelson Mandela, digo também de alguém que ultrapassou a sua corporeidade, e que virou um símbolo, sinônimo de Liberdade. Se der este nome ao meu filho, ele já nascerá com esta marca grudada à pele?

Para Marília Rossi, o título de um poema, ou nome, é como se fosse um acolhimento, uma entrada, uma descoberta para um mundo que se nos apresenta pela frente; vê algo de maternidade neste processo, de colocar cá para fora, algo que ganhará a vida e que crescerá ao sabor das interpretações.

Na visão desta poeta, o poema com um título à cabeça, talvez seja a forma de fornecer ao leitor uma senha de entrada ao seu mundo. O título, neste caso, delimita uma fresta pela qual o leitor poderá espreitar com olhos curiosos para o seu útero. Mas como lemos na epígrafe acima, por vezes o poeta transfere esta maternidade, de titular um poema, para o seu leitor. “Nos meus poemas, aqueles que não levam títulos, esta construção fica a cargo do leitor; é dele a responsabilidade, através do que sente, ao ler. Quem por fim acaba por dar um nome ao poema”.

O leitor quando imerso no texto, diz Marília, pode até acrescentar elementos que não estejam no poema; pois à leitura, somam-se uma herança de vida, uma pertença de várias e várias outras leituras, que são só dele. Na verdade, num primeiro momento, escrevemos para nós; mas assim que está impresso no papel, o texto é de todos. De uma ou de outra forma, seja porque o escritor o determina, seja porque o leitor no seu silêncio, o prenuncia, o poema nunca fica sem um título. Não existem poemas órfãos.

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

 

 

Marília Rossi
Brasileira, de Poços de Caldas (MG), imigrante morando em Lisboa, escreve desde criança e divulga seus escritos em fanzines desde 2015, já tendo lançado cinco deles e um e-book. Foi finalista do Festival de Poesia de Lisboa, em 2022. Fresta é o seu primeiro livro (Urutau), apresentado em 2023, na Casa Fernando Pessoa. Participa de saraus, apresentações e eventos literários, faz videopoemas, colagens, bordados e ainda é professora, pedagoga, designer e mentora de projetos educacionais.
Ozias Filho

Nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1962. É poeta, fotógrafo, jornalista e editor. Autor de Poemas do dilúvioPáginas despidas, O relógio avariado de DeusInsularesOs cavalos adoram maçãs e Insanos, estes dois últimos, em 2023). Como fotógrafo tem vários livros publicados e integrou a iniciativa Passado e Presente – Lisboa Capital Ibero-americana da Cultura 2017. Publicou em 2022 o seu primeiro livro infantil, Confinados (com ilustrações de Nuno Azevedo). Vive em Portugal desde 1991.

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