aqui faltam coisas que te devoram. a casa continua a apodrecer e
os amantes acreditam que é para sempre (…)
Como se faz para entrar na ilha? Como se faz para sair da ilha? Pela ponte, diz o músico e compositor brasileiro Lenine. E se não houver ponte, ou qualquer ligação, que nos transporte ao continente; ou se este — se lá chegarmos — for uma imensa e incontornável ilha? E se a ilha, na verdade, fosse simplesmente a nossa praia de todos os dias, aquela de que não conseguimos nos libertar, ou tirar umas merecidas férias de nós mesmos? E se a ilha fosse a condição primeira do ser humano, do seu estranhamento, desde o nascer à solidão da morte inevitável?
E se a ilha, mesmo com todo o estranhamento, nos desse a impressão de que, por vezes, existe um arquipélago que nos ilude, e que nos parece quase real, quase palpável, quase infinito? E se a ilha fosse aquilo que é o mais importante na vida: a respiração, os seus silêncios, os seus deuses (ou as suas ausências), ou mesmo a morte? E se a ilha, no plano presente, é o paraíso e o inferno com vista para o mar, sentados em cadeiras lado a lado?
E se à entrada da ilha figurasse o letreiro: Os demônios não gostam de ar fresco?
Esta ilha, ou arquipélago, tem o nome de Poesia; e nestas águas encontramos a poeta Maria Quintans, e as muitas outras vozes poéticas espalhadas pelo Mundo, cada uma na sua construção de uma Babel.
Reflito sobre estes vários espelhos, pedindo armas emprestadas à poeta portuguesa, autora do livro Se me empurrares eu vou. Em nossa conversa, diz ser muito influenciada pelo universo do cineasta Ingmar Bergman, que tão bem retratou os pilares da alma humana, através dos seus filmes. A sua poesia navega nos mesmos, e insondáveis, temas do realizador de O sétimo selo. “Bergman, tem esta capacidade de te entrar na alma, de te fazer estremecer (…) para mim é um mestre, de uma forma mais clara ou menos óbvia, e não nego que esta influência do realizador esteja presente na minha poesia.”
E se à entrada da ilha, repito, figurasse o letreiro: Os demônios não gostam de ar fresco? Esta é a ilha real de Bergman; a ilha dos medos e de outras questões que ele enfrentava na sua litania diária. Esta também é a ilha real de Maria Quintans; a ilha da sua poética, dos seus demônios, dos estranhamentos, que são transversais à maioria dos poetas. Esta ilha, talvez seja a maneira da poeta, assim como do cineasta, de negociar todos os dias com a morte. Para Quintans, a morte é uma personagem, aquela que não morre nunca.
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