O caminho sopra-me as palavras. É esta sentença, dita pela portuguesa Luísa Costa Macedo, que me tira do sério, no bom sentido, e que durante vinte e quatro horas não me deixa sossegado, como sombra a acompanhar-me aonde quer que eu vá. Como um incômodo, algo a corroer a parede do estômago, alimenta-me ao mesmo tempo que não dá descanso, a digestão tarda o seu fim. Este sopro povoa-me e sei de antemão que será um guia na conversa com a escritora.
Suas palavras, levianamente jogadas ao ar, dias antes, quebraram o silêncio, e agora estão aprisionadas num outro cativeiro dentro de mim. É preciso resgatar o silêncio e devolvê-lo com palavras, como moeda de troca, ou de arremesso, à autora, numa provocação que se adivinha sem fim. Ela riposta com outras palavras, de viva-voz, mas talvez o poema, a sua voz lírica, seja o melhor sumo, pois que vem revestido pela oficina constante da escritora, e que sacia esta sede latente.
“Como hei de escrever-te? // Como um sopro do Norte (…)”, diz Luísa num excerto do poema Delusões, e é nesse silêncio da paisagem, que a cada passo ruminado em territórios desconhecidos, a palavra revela-se em pluralidades, faz-se de luz, mas apenas uma ou outra será a eleita, e ganhará vida sob os seus passos, e subirá ao livro sempre incompleto. A palavra que diz tudo, diz também do seu contrário, da sua falácia face ao tempo que tudo altera com o passar dos dias. A palavra que é verdade pela metade, a palavra ilusão.
O caminho sopra as palavras, como um mantra na paisagem. Elas estão à frente de Luísa, uns dez, vinte, trinta ou mais passos; encaram-na, desafiam-na, provocam-na. A escritora leva suas mãos ao coldre, sente a pistola no leve toque dos dedos, tem pouco tempo, sabe que as palavras são escorregadias, sedutoras, e muitas vezes impostoras. A escritora saca da sua arma e acerta à primeira. A palavra está ferida de vida. Viva e cheia de faces. A Luísa, que se encontra de frente para o vazio povoado, lembra-se do que diz a outra Luísa, a poeta, num outro fragmento do seu novo livro, exposto à luz: “Que rebeldia há nesse silêncio (…)”.
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