Luís Filipe Castro Mendes

Ensaio fotográfico de Luís Filipe Castro Mendes
Foto: Ozias Filho
01/09/2023

Esperança e resistência, dois conceitos complementares e que, inequivocamente, estão estreitamente ligados, quase sempre, aos poetas; só para falar destes arautos, que traduzem com as suas palavras o desejo por melhores dias, e a persistente recusa à submissão cega ao que está instituído e, por vezes, normalizado nas rotinas em qualquer canto em que se viva. Por isso a questão: qual é o papel da poesia no mundo contemporâneo? Ela é bastante num mundo de injustiças de ordem vária?

“Penso que o grande papel da poesia é o de resistência; resistência a tudo o que nos desumaniza.” Para o poeta português Luís Filipe Castro Mendes, “a poesia pode ter, ou não, um programa político concreto, isto é com cada um dos poetas, mas deve defender aquilo que é humano em cada um de nós”, já que a todo o instante somos confrontados justamente com uma sociedade que tende a negar este lado que nos habita, a pôr em causa, e a nos enxergar como meros números, a reduzir o nosso pensamento crítico. “A poesia, como toda a manifestação artística, tem um papel de resistência à massificação.”

O poeta não partilha da ideia de que a poesia seja uma salvação para qualquer tipo de cenários, ou infernos, presentes na sociedade. Entende que salvar é uma coisa, resistir é outra. “Salvar é já uma ação positiva (…), mas a poesia não está deste lado da ação prática, concreta, revolucionária.” A resistência vai mais além, conversa mais fundo no interior das pessoas, e lhe diz ao coração sobre certos valores essenciais, e indissociáveis ao ser humano, “como a ambiguidade, a dialética, a comunicação profunda”, entre outros, e por isso acredita que a poesia “é mais uma resistência, do que uma ofensiva”.

No seu poema inédito, Carta aos meus filhos sobre a guerra na Ucrânia (aqui apenas um excerto), que alude logo no início, um verso do poeta Jorge de Sena; Luís Filipe expõe uma de suas maneiras de resistir:

“Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso” — sabemo-lo hoje?// A História sempre nos faz surpresas, sim,// mas diz-nos também que não mudam os nossos instintos// de presa, de morte, de guerra:// toda a beleza do mundo cabe na explosão de um morteiro,//no eco de uma bala.// E, no entanto, vivemos e dia a dia acordamos// para todo o esplendor e miséria do mundo.// Não há nem haverá jamais paz perpétua// e a cobiça do lucro poderá destruir toda a terra:// mas não morre a beleza do clarinete que se levanta por dentro do concerto de Mozart// (…) Assim o nosso maior poder é a recusa,// a recusa da comunidade no mal, da visão da morte como suprema beleza//e da guerra como destino.

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho
Luís Filipe Castro Mendes
Poeta e ficcionista português, diplomata de carreira, nasceu em 1950. Publicou o seu primeiro livro (Recados) em 1983, seguindo-se, entre outros, Areias escuras (1984), Seis elegias e outros poemas (1985), Viagem de inverno (1993), Correspondência secreta (1995), Os dias inventados (2001), Outro Ulisses regressa a casa (2016) e Voltar (2021). Recebeu o Prémio Nacional de Poesia Teixeira de Pascoaes, pelo conjunto da sua obra.
Ozias Filho

Nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1962. É poeta, fotógrafo, jornalista e editor. Autor de Poemas do dilúvioPáginas despidas, O relógio avariado de DeusInsularesOs cavalos adoram maçãs e Insanos, estes dois últimos, em 2023). Como fotógrafo tem vários livros publicados e integrou a iniciativa Passado e Presente – Lisboa Capital Ibero-americana da Cultura 2017. Publicou em 2022 o seu primeiro livro infantil, Confinados (com ilustrações de Nuno Azevedo). Vive em Portugal desde 1991.

Rascunho