Para lá das praias de areia fina e dos canais de águas mornas, das palmeiras e mangais, havia segredos muito bem guardados num equilíbrio profundo entre o homem e a natureza.
Este trecho pertence ao livro A cana de bambu, de Kátia Casimiro, escritora da Guiné-Bissau. O segredo deste equilíbrio, descrito na narrativa, talvez resulte apenas na sabedoria infantil, na forma singular em que as crianças enxergam o mundo à sua volta. Elas, ao contrário dos adultos, possuem a legitimidade, que muitas vezes desaparece quando crescem. Mas elas crescem, e o tempo da infância voa mais rápido do que as páginas de um calendário.
Algo se perde na transição do crescimento, ou o mundo nos obriga a crescer contra a vontade, por força do deus dinheiro e da negação do nosso ócio merecido? Perdemos o encantamento genuíno das histórias infantis, que nem sempre ficam guardadas algures dentro de nós. As dores do crescimento matam, aos poucos, a inocência que um dia existiu, e a resiliência de ser criança para sempre aquieta-se, dia após dia, até ao triste olvidar.
É uma constatação, reconhece a escritora guineense, mas que precisamos quebrar este ciclo viciado. Para ela, o objetivo de sermos melhores pessoas, adultos saudáveis (e não selvagens), passa necessariamente por algo tão óbvio, e que tantas vezes é repetido com a boca cheia de palavras vazias, pura retórica, que é o fato de não deixarmos morrer a criança que existe dentro de nós. “Este pensamento, só faz sentido se deixarmos a criança primeiro nascer, para depois serem melhores adultos.”
A escritora cita um dos pais da nação guineense, Amílcar Cabral, que dizia que a criança era “a flor da nossa luta e o principal motivo do nosso combate”. Só percebeu a profundidade deste conceito anos depois, e constatou que fora uma criança privilegiada, mas que havia muitas outras, a maioria, que não eram. Diz que o livro e a leitura podem ser o brinquedo, ou a brincadeira, possíveis, onde poucas vezes existiram brinquedos e brincadeiras.
“Eu escrevo para que muitas crianças da minha terra, e de outras, com infâncias difíceis, possam acreditar que é possível sonhar”, e ser criança é mesmo isso, manter o sonho vivo. Nesse sentido, para além de continuar a atuar como escritora, tem um objetivo no seu horizonte próximo: o de levar a todos os cantos do seu país natal uma biblioteca itinerante sobre rodas, que chegue ao maior número de crianças. Quer com isso quebrar o ciclo desumano no qual, por força das circunstâncias, ser criança nunca foi uma opção.
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