Jozias Benedicto

Ensaio fotográfico de Jozias Benedicto
Foto: Ozias Filho
01/11/2024

Que farei quando tudo arde?
Sá de Miranda

Tudo arde, enquanto a memória tenta salvar o passado dos escombros do fogo. O fogo que lavra sem controle, e que magoa pela perda imediata de vidas e de bens materiais. A memória do fogo é algo que arde sem se ver, mas está bem acesa, vistosa e de forma perene na vida daqueles que presenciaram a derrocada do castelo. A memória do fogo transporta na sua chama a dualidade; de um lado a destruição que não tem preço; do outro, inevitavelmente, o começar do zero, o renascer.

Foi graças à tragédia que o escritor Jozias Benedicto, forçosamente, descobriu a poesia, depois de ter escrito alguns livros em prosa. Um incêndio na sua casa, há alguns anos, mudou o caminho às pernas e, nesse sentido, quis o destino que os seus textos adquirissem novas asas; nascia assim, o primeiro livro de poemas: Erotiscências e embustes. “Eu não sou poeta, eu me transformei em poeta por causa do fogo (…) a poesia nasceu da lembrança de uns sonetos que escrevi, aos quinze anos de idade, e que se perderam nas cinzas.”

Como contar uma história que desapareceu para sempre no cremadouro? Para Jozias, através dos fragmentos da memória e do embuste, pois a parte que falta ao quadro completo, a mente reinventa o enredo. A memória também prega partidas, pois o que aconteceu nunca é exatamente igual àquilo que recordamos.

Mais que cadernos com sonetos, livros inteiros ficaram no incêndio. Mais que livros, vozes que continuaram bem vivas e a conversar intimamente com o escritor. Mais que livros e vozes, duas em particular: Borges e Clarice. Mais que Borges e Clarice, a escritura de uma monografia que germinou a partir da experiência do fogo: Palavras Queimadas, Um incêndio com Borges e Clarice. Mais que uma monografia; uma conversa entre escritores, entre o fogo e a memória devastada.

O que farei quando tudo arde? A resposta do escritor brasileiro ao seu homólogo do século 16, Sá de Miranda, talvez fosse muito simples, de alguém que passou por entre as brasas, e sobreviveu: escrever, escrever, escrever, e renascer em cada novo escrito; e que um dia o tempo, eterna chama, haverá de comer.

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

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Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho
Jozias Benedicto
Nasceu em São Luís (MA). É escritor, artista visual, pós-graduado em Literatura, Arte e Pensamento Contemporâneo. Vive e trabalha entre Lisboa e o Rio de Janeiro (RJ). Publicou os livros de contos: Estranhas criaturas noturnas, finalista do Prêmio Sesc de Literatura 2013; Como não aprender a nadar, Prêmio Governo de Minas Gerais 2014 e Prêmio Moacyr Scliar 2019, também traduzido e publicado na Argentina; Um livro quase vermelho, Prêmio Fundação Cultural do Pará 2018, e Aqui até o céu escreve ficção, Prêmio Fundação Cultural do Maranhão 2018. Publicou os livros de poesia Erotiscências & embustes e A ópera náufraga, e o romance Doze noites e seus trabalhos. O recente livro de contos Nada permanece nunca foi selecionado para publicação em Residência Criativa, em Ouro Preto (MG), em 2024.
Ozias Filho

Nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1962. É poeta, fotógrafo, jornalista e editor. Autor de Poemas do dilúvioPáginas despidas, O relógio avariado de DeusInsularesOs cavalos adoram maçãs e Insanos, estes dois últimos, em 2023). Como fotógrafo tem vários livros publicados e integrou a iniciativa Passado e Presente – Lisboa Capital Ibero-americana da Cultura 2017. Publicou em 2022 o seu primeiro livro infantil, Confinados (com ilustrações de Nuno Azevedo). Vive em Portugal desde 1991.

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