Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
Socorro-me dos primeiros versos do poema O lutador, de Carlos Drummond de Andrade, para dizer da poesia de um outro poeta que tem na palavra a sua arma mais certeira, corrosiva e cirúrgica. O poeta José Luiz Tavares, de Cabo Verde, , não tem sangue apenas nas veias, mas também nas guelras infladas, pois as suas palavras estão sempre prontas para um bom combate, ou debate nos diversos cenários de guerra em que se posiciona.
À conversa com o escritor, descubro alguém que se expressa numa língua de formação, uma língua acadêmica, uma língua de expressão no dia a dia, ou seja, a língua portuguesa, contudo, o seu coração fala, sente e vive num outro idioma, o cabo-verdiano. Esta dualidade, ou luta constante, vê-se um pouco por todo o lado na sua poesia. Não tem pudor nenhum em chamar as coisas pelos seus nomes verdadeiros; mesmo que ofensivos não deixam de ser poéticos.
É um lutador irascível, que não transige com a falsidade, e por isso a sua palavra, lírica ou coloquial, é arma. É terreno fértil sem artifícios, é lavra, está à vista. Quem lê os seus textos, sabe ao que vai, e nesse sentido não é enganado, ou iludido com segundas intenções, ou códigos secretos por dentro das palavras. A sua luta se faz entre duas línguas, e em qualquer uma delas, há uma certeza, é um discurso contra o opressor, esteja este do lado de Portugal, ou do lado de Cabo Verde.
Como epígrafe de abertura de um dos seus livros, Coração de lava, mesmo a preceito, usa o seguinte verso de Drummond: “Meu nome é tumulto e escreve-se na pedra”. Que melhor imagem para definir o poeta cabo-verdiano e a sua luta, que segue caminho com a sua caneta afiada num outro livro:
Se não comeram a papa e o leite azedo,
nem na panela quente meteram o dedo,
que poderá saber tal gente da vida dura
para fazer a verdadeira, viva literatura,
É o mais premiado escritor do seu país, e diz que quando morrer longevo (assim espera, já que o histórico de família lhe dá razão), quer que no seu epitáfio esteja inscrita uma última provocação: “voltarei para vos foder a todos, cabrões”. O livro Coração de lava abre com o verso: “No princípio era o fogo”. Como leitor — mesmo sabendo que esta obra versa sobre outros enredos, mesmo constatando que o poeta é direto no discurso —, leio de forma límpida no subtexto: No princípio era a luta.
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