Dora Nunes Gago

Ensaio fotográfico de Dora Nunes Gago
Foto: Ozias Filho
01/02/2025

Há dias em que nos perdemos nas teias do tempo, (…)

Palavra puxa palavra e cada uma dessas andorinhas quando juntas fazem um verão, e irmanadas criam uma frase, um sentido que norteará a história que virá a seguir. Frase a frase, a história se constrói, como um edifício erguido com cuidado e precisão. Cada uma, um tijolo, peça fundamental na estrutura do texto, na construção que ganha forma a olhos vistos. Oração a oração, o corpo textual, a religião entre escritor e leitor ganha alma, pois que é um ser vivo que respira e pulsa. A narrativa se expande, agarra-nos pelas mãos, e só nos liberta no final da caminhada. Não somos livres quando adoramos algo.

No fundo, cada leitor, o que quer mesmo é estar preso por querer, é estar diante de uma narrativa que não o largue até nos sonhos. Talvez o sonho, seja a melhor metáfora para o leitor. Ele passeia pelo bosque da ficção, onde nada é controlado pelo seu poder racional. O filme que passa diante dos seus olhos é algo que assiste, estica as mãos, e não consegue tocar com as suas mãos de certezas. No sonho, ele é impotente, mesmo que julgue o contrário.

Por vezes, quando acabamos um conto, um romance, ou mesmo um poema, olhamos à nossa volta e o estranhamento é ainda maior, já que a realidade demorará o seu tempo para suplantar o que acabamos de vivenciar no mundo de Morfeu, onde o escritor é soberano e detém a chave do cárcere. Acordamos e a voz do escritor (e de suas criaturas), continua a sussurrar aos nossos ouvidos.

Como fios de uma tapeçaria intrincada, as palavras se entrelaçam, tecendo o tecido da mensagem que estará completa ao fim de algum tempo. A escritora Dora Nunes Gago sabe muito bem do seu ofício de escritora, mas talvez não tenha consciência do poder que as suas palavras exercem sobre o imaginário do leitor.

Antes de começarmos a ler, a tela em branco; e palavra por palavra, frase a frase, o contexto vai se apresentando; a tela vai ganhando novas cores, a paisagem vai ficando mais bem definida, e nesta iconografia, a escritora não nos deixa desviar os olhos em tempo algum; ela sabe (ou, dissimuladamente, não sabe) que se assim o fizermos o enredo terá um outro fim, e por isso o alheamento não pode existir.

“Eu creio”, diz a escritora, “que há alguma coisa na minha escrita, que eu faço de uma forma algo inconsciente (…) ou seja, não há uma premeditação; mas deixa-me muito feliz saber que nestes tempos que correm, de correria e distração vária, aquilo que escrevo consiga enredar o leitor, agarrá-lo (…) porque é cada vez é mais difícil captar a atenção dos outros; a verdade é essa, mas é algo que eu faço instintivamente, sem me dar conta e, respondendo à sua pergunta (…) não, não tenho uma fórmula da construção desta teia.”

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Dora Nunes Gago
Nasceu em São Brás de Alportel (Portugal), em 1972. Publicou poesia, ficção, crônica e ensaio. Livros: Planície de memória (poesia); A sul da escrita (Prémio Nacional de Conto Manuel da Fonseca); Imagens do estrangeiro no Diário de Miguel Torga; As duas faces do Dia; Travessias, contos migratórios; A matéria dos sonhos; Uma cartografia do olhar: exílios, imagens do estrangeiro e intertextualidades na literatura portuguesa (finalista do Prémio de Ensaio de Pen Clube); Floriram por engano as rosas bravas; Palavras nómadas (Grande Prémio de Literatura de Viagens Maria Ondina Braga da APE/ CM. de Braga). Doutora em Literaturas Românicas Comparadas, mestre em Estudos Literários Comparados e licenciada em português e francês, foi investigadora e professora universitária no Uruguai, Macau (China), Estados Unidos e Portugal.
Ozias Filho

Nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1962. É poeta, fotógrafo, jornalista e editor. Autor de Poemas do dilúvioPáginas despidas, O relógio avariado de DeusInsularesOs cavalos adoram maçãs e Insanos, estes dois últimos, em 2023). Como fotógrafo tem vários livros publicados e integrou a iniciativa Passado e Presente – Lisboa Capital Ibero-americana da Cultura 2017. Publicou em 2022 o seu primeiro livro infantil, Confinados (com ilustrações de Nuno Azevedo). Vive em Portugal desde 1991.

Rascunho