Há dias em que nos perdemos nas teias do tempo, (…)
Palavra puxa palavra e cada uma dessas andorinhas quando juntas fazem um verão, e irmanadas criam uma frase, um sentido que norteará a história que virá a seguir. Frase a frase, a história se constrói, como um edifício erguido com cuidado e precisão. Cada uma, um tijolo, peça fundamental na estrutura do texto, na construção que ganha forma a olhos vistos. Oração a oração, o corpo textual, a religião entre escritor e leitor ganha alma, pois que é um ser vivo que respira e pulsa. A narrativa se expande, agarra-nos pelas mãos, e só nos liberta no final da caminhada. Não somos livres quando adoramos algo.
No fundo, cada leitor, o que quer mesmo é estar preso por querer, é estar diante de uma narrativa que não o largue até nos sonhos. Talvez o sonho, seja a melhor metáfora para o leitor. Ele passeia pelo bosque da ficção, onde nada é controlado pelo seu poder racional. O filme que passa diante dos seus olhos é algo que assiste, estica as mãos, e não consegue tocar com as suas mãos de certezas. No sonho, ele é impotente, mesmo que julgue o contrário.
Por vezes, quando acabamos um conto, um romance, ou mesmo um poema, olhamos à nossa volta e o estranhamento é ainda maior, já que a realidade demorará o seu tempo para suplantar o que acabamos de vivenciar no mundo de Morfeu, onde o escritor é soberano e detém a chave do cárcere. Acordamos e a voz do escritor (e de suas criaturas), continua a sussurrar aos nossos ouvidos.
Como fios de uma tapeçaria intrincada, as palavras se entrelaçam, tecendo o tecido da mensagem que estará completa ao fim de algum tempo. A escritora Dora Nunes Gago sabe muito bem do seu ofício de escritora, mas talvez não tenha consciência do poder que as suas palavras exercem sobre o imaginário do leitor.
Antes de começarmos a ler, a tela em branco; e palavra por palavra, frase a frase, o contexto vai se apresentando; a tela vai ganhando novas cores, a paisagem vai ficando mais bem definida, e nesta iconografia, a escritora não nos deixa desviar os olhos em tempo algum; ela sabe (ou, dissimuladamente, não sabe) que se assim o fizermos o enredo terá um outro fim, e por isso o alheamento não pode existir.
“Eu creio”, diz a escritora, “que há alguma coisa na minha escrita, que eu faço de uma forma algo inconsciente (…) ou seja, não há uma premeditação; mas deixa-me muito feliz saber que nestes tempos que correm, de correria e distração vária, aquilo que escrevo consiga enredar o leitor, agarrá-lo (…) porque é cada vez é mais difícil captar a atenção dos outros; a verdade é essa, mas é algo que eu faço instintivamente, sem me dar conta e, respondendo à sua pergunta (…) não, não tenho uma fórmula da construção desta teia.”
…
…
…
…
…
…
…
…