(…) Pudesse eu confessar-me,
dizendo simplesmente a nota grave mais séria
morreste-me… (…)
Um livro que se faz por respirações. Inspirar e soltar aos poucos o ar que nos alimenta. Um poema incompleto, que mais parece uma maratona em terrenos agrestes e incertos. Uma gangorra, de altos e baixos, que nos remete aos vários tempos de memória. O leitor, mais que um apreciador de poesia, precisa ser um fundista, pois percorrer quilômetros de significados que inundam, transbordam, todas as margens, não é para qualquer corredor. Nunca se tem a meta no horizonte, pois a cada instante de paz o que vemos é uma miragem de fim, que chegará um dia num piscar de olhos, que não se abrirá mais para este plano do eterno.
Por onde quer que se comece, se olharmos para trás ou ao seu lado oposto (o futuro a espreitar ao dobrar da esquina), o que sentimos é uma respiração que não cessa, como uma ladainha a repetir-se involuntariamente, e que só damos por ela quando a concentração nos obriga a reparar no movimento do ar a entrar pelas narinas até chegar aos pulmões. Sentimo-nos vivos, estamos vivos, e por ser desta maneira, até a dor, a perda, tem a sua beleza, pois a única e dolorosa certeza é que a máquina tem os dias contados. A respiração é este espírito que aquece o primeiro livro de poemas de Cristina Maria da Costa.
O poema incompleto, título do livro, nasce da experiência da dor, dez anos após a morte do irmão. Nasce da necessidade de fazer uma autópsia à sua própria dor; vivê-la, digeri-la, e, ao mesmo tempo, apaziguá-la nas páginas que nunca mais voltarão a ser brancas. Uma dor que é sua, mas também que é do outro, quando nos vemos no seu reflexo impresso. “O poema é incompleto porque havia mais a dizer”, e não foi dito, já que o ciclo foi fechado antes do tempo de as palavras dizerem de sua verdade. O poema é incompleto porque faltou o tempo da despedida O poema é também incompleto, já que as perceções estão sempre em metamorfose; em mortes e renasceres constantes.
E por isso a respiração; a cadência do ir e vir das palavras; um quê de oração, de meditação, de transcendência, de pulsar em tudo, do pulsar da vida, que pode estar num passeio no bosque, no encontro com o mar, no ritmo do desporto, na rotina do trabalho, na comunhão em família, e com os amigos, nas páginas de um livro. Uma respiração completa, enquanto a máquina existir. Um poema incompleto, como no primeiro choro ao nascer. Um poema incompleto, como no derradeiro suspiro da partida.
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