Alberto Pereira

Ensaio fotográfico com Alberto Pereira
Foto: Ozias Filho
01/09/2025

(…) Neste poema é noite
e há um filho
que reza obsessivamente:
és a biografia onde a lâmina limpa os pés.

A poesia não se limita ao óbvio, não se contenta com o que está à superfície, aos olhos de todos; ela mergulha, escava, inquieta, perturba, ressoa e, por vezes, também deslumbra, espanta e nos tira o tapete sob os pés. Uma poesia que fale da obviedade, que não seja em si qualquer tipo de transformação, de revolução permanente, ou é absolutamente genial — quer nos temas que retrate, quer na linguagem que descosa a mesmice — ou tem prazo de validade abreviado, pois não se sustentará com o passar dos dias.

Não sou portador de nenhum vaticínio e, portanto, o futuro não me pertence quando afirmo, como leitor, que a poesia de Alberto Pereira resistirá às intempéries dos dias. O poeta constrói um percurso literário que desafia o leitor a encarar as suas próprias sombras e eleva a impermanência à condição de única verdade. Seus poemas não são meras palavras, mas sim portas abertas para uma viagem interior, onde encanto e inquietação coexistem em tensão criativa.

No seu livro Tarkovsky, o poeta encontra no cinema um paralelo para sua própria escrita. Ambos compartilham uma temporalidade suspensa, onde o poético não reside no explícito, mas no que pulsa entre as linhas. “Um filme pode ser poético e não ter poesia, ter sensibilidade, ter pequenos pormenores que também são captados pela poesia. E eu acho que esses pormenores subtis, por vezes, é que tornam os filmes poéticos”, observa.

Destaca o poder do não dito, nas cenas repletas de imagens que respiram e funcionam da mesma forma que a sua escritura, já que esta não oferece significados prontos, mas espaços para o leitor habitar, construir em cima e depositar as suas heranças de vida. E é assim que Alberto Pereira se revela um artesão do ambíguo: livros como se fossem películas, textos que exigem revisitações e, na inquietude que nos provoca, pedem para ser relidos.

Um poema é um lugar ao qual se retorna sempre, assim como nos filmes, e não se esgota no primeiro encontro. Cada nova leitura desvela camadas e camadas, ecos das várias vozes, e o leitor, longe de ser passivo, torna-se parte dinâmica da construção de outros sentidos. Em tempos de respostas fáceis e verdades prontas, sua voz ressoa como um aviso: a luz mais pura nasce do confronto com a escuridão. E talvez este seja o melhor sumo dos seus textos: antes de respirar como um lago que guarda segredos, é preciso ter coragem de afundar nele.

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho
Alberto Pereira
Nasceu em Lisboa (Portugal). Licenciado em Enfermagem. Pós-graduado na área forense. Membro do PEN Clube Português. Publicou doze livros. Sua obra encontra-se traduzida em onze idiomas. Foi distinguido com vários prêmios, entre os quais se destacam: Prémio Literário Conto por Conto (2011), Prémio Literário Agostinho Gomes (2013), Prémio Literário Manuel António Pina (2013), Prémio Internacional César Vallejo (2021), Prémio de Literatura Clarice Lispector (2022) e Prémio Ulysses (2023).
Ozias Filho

Nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1962. É poeta, fotógrafo, jornalista e editor. Autor de Poemas do dilúvioPáginas despidas, O relógio avariado de DeusInsularesOs cavalos adoram maçãs e Insanos, estes dois últimos, em 2023). Como fotógrafo tem vários livros publicados e integrou a iniciativa Passado e Presente – Lisboa Capital Ibero-americana da Cultura 2017. Publicou em 2022 o seu primeiro livro infantil, Confinados (com ilustrações de Nuno Azevedo). Vive em Portugal desde 1991.

Rascunho