08.11.1991
Encontrei com Francisco Rezek (ministro das Relações Exteriores) no hall do hotel quando ele chegou com a comitiva às 10 horas. Foi gentil. Nunca havia estado com ele e agora estou em sua comitiva. Havia, sim, escrito uma crônica n’O Globo quando ele tinha que decidir no STF se o Silvio Santos podia ou não ser candidato — o que tumultuaria por completo o quadro eleitoral.
Com Rezek estava o Carlos Pellegrino, que trabalhou com ele e foi colega dele na UFMG, ao tempo do Márcio Penido, Adão Ventura e outros. Curiosa sensação de revê-lo não como o ministro austero que eu via na TV, mas como um contemporâneo que não conheci em BH. Dizem-me que ele escreveu também ficção na revista Porta, de que também não me lembrava.
Começamos pela manhã indo em cinco carros alugados pela embaixada, para conhecer as pirâmides/esfinge, que já havia visto à noite. É um cenário deslumbrante, mágico. Tirei fotos, camelo, vimos o barco gigantesco de Queóps. Milhares de turistas em todas as partes e nossa comitiva com batedores, motociclistas, chamando atenção de todos, seja no meio das ruas apinhadas, seja entre as pirâmides.
Na verdade, antes fomos ao Museu Nacional, agora em comitiva oficial, o diretor do Museu nos explicando todo o setor de Tutankamon: as três urnas gigantescas que estavam dentro de outras (cobertas de ouro), nas quais estavam os três sarcófagos, um dentro do outro, onde estava o corpo de Queóps, que morreu aos 20 anos. Fotos nas paredes, sobre como em 1923 o túmulo foi descoberto por um inglês. Riqueza extraordinária. Seu pequeno trono revestido de ouro. As duas estátuas revestidas de ouro na entrada da tumba/sala. Se ele morreu aos 20 anos, pergunto, quando começaram a elaborar tudo isso? É trabalho para décadas. Dizem-me que a exemplo de Queóps, começavam a construir as tumbas desde cedo, quando a pessoa ainda era criança.
De novo: uma visão consagrada à morte. A morte dando sentido à vida. Daí o Livro dos mortos, hoje tão vivo.
Depois fomos passear no Rio Nilo, num barco, também, aluguel da embaixada — durante três horas. Almoço magnífico, com garçons e tudo. Rezek relaxado. Uns cinco jornalistas juntos. Passamos diante de uma casa, beira-rio, hoje uma igreja, que dizem ter sido uma estalagem onde José e Maria pousaram no caminho de Belém.
Depois, cortejo de buzinas e batedoress para a Mesquita do Sultão (?) na Cidadela. Lindíssima. O sol se punha. A mesquita é tão grande quanto as de Istambul. A região é fantástica. Casas, mesquitas da cor da terra, marrom. Casas da cidade velha, com cara árabe, parecendo meio desertas, abandonadas, mas deve ser ali que vive o povo mais pobre.
Depois voltei/fui com a comitiva a Al Khalili, onde, de novo, estavam a alegria, a vivacidade, a luminosidade.
À noite, mais caravana com buzinas pela cidade para um jantar no Clube Democrático. Longas mesas com uns 40 homens lado a lado. Pensei: é o único lugar limpo do país. E, claro, dos diplomatas. Os egípcios vivendo a mesma ambiguidade dos brasileiros: cosmopolitas numa cultura semibárbara. Ilhas. Uma situação paradoxal. O embaixador egípcio, jovem, moreno, charmoso, desinibidamente narcisista. Discursa. Rezek discursa e menciona o meu nome, com destaque, dizendo que a minha presença significa o nosso interesse na Biblioteca de Alexandria.
Fico surpreso e comovido com a homenagem.
Na verdade, o responsável por Alexandria não apareceu ainda. O acordo será prejudicado. Só será assinado depois.
(Enquanto escrevo aqui no hotel, vejo TV, canais europeus, ora a BBC, Paris, Suíça, etc. Gosto disto: cultura e informação)
10.11.1991
Ontem foi um dia formalmente movimentado. Vi como é o encontro de ministros das relações exteriores. No belo prédio estilo francês — do Ministério das Relações Exteriores do Egito, uma longa mesa com dez pessoas de cada lado (as pastas) e os dois ministros um diante do outro.
O do Egito dirigiu a palavra abrindo a seção. Colocou uma série de questões, que eu pensava seriam tratadas em particular: Irã, Cuba, Nações Unidas. Foi quase uma sabatina da qual Rezek, com elegância, saiu-se bem, com seu inglês de Oxford. O ministro egípcio teve até a indelicadeza de querer discutir uma citação do professor Duverger, citado por Rezek, sobre a questão das fronteiras.
Depois, eu e Nilo Nemer fomos solicitados a falar sobre a parte cultural e comercial. Limitei-me a citar os textos da proposta egípcia, destacando uns itens que apoiamos. Acrescentei uma série de pontos relativos à Biblioteca de Alexandria, ressaltando que poderíamos fornecer-lhes strong suport. Eles têm na verdade uma biblioteca como um símbolo. Pouco fizeram até agora. Querem é dinheiro para investimento.
Eu poderia (perdi a oportunidade) ter lido/falado meu texto já publicado sobre as bibliotecas hoje em dia e qual o seu papel. Mas fui pego de surpresa. Não sabia que deveria falar. Nem levei o tal documento. Poderia ter ressaltado também como secretário executivo da Abinia (que reúne 22 bibliotecas nacionais ibero-americanas), poderia aliciar apoio para essa iniciativa, etc.
À noite, jantar na casa do embaixador Márcio Dias, bela casa de dois andares à beira do Nilo. E a mulher — Walkiria, gentilmente dizendo-se minha leitora e convidando-me para voltar com Marina. A filha deles, jovem, contou uma coisa bonita: o programa, o barato mesmo, era ver o sol nascer junto às pirâmides. Quando viu isso a primeira vez, exclamou: “Mas isso acontece todos os dias da vida e eu não tinha visto ainda!”.