Vendo Dr. Fritz operar

Acabo de vir da Penha, de uma dessas sessões do Dr. Fritz
01/04/2013

07.05.1997
Acabo de vir da Penha, de uma dessas sessões do Dr. Fritz. Junto a um imenso prédio de fábrica abandonado — um galpão pobre, com vidros quebrados, paredes mal caiadas, diversos ambientes, amplos, todos abertos —, uma multidão. Já nas ruas, barraquinhas de tudo. Entramos e avançamos entre centenas de pessoas em pé, sentadas e em cadeiras de rodas. Os assistentes do Dr. Fritz nos deixaram ver de perto seu trabalho.

Alguns enfermeiros, instrumentadores e um carrinho contendo injeções. Fritz (na vida civil, Rubens) vai se aproximando das pessoas, perguntando coisas e pegando rapidamente seringas e injetando um produto no olho, na coluna, na barriga, nos joelhos. Uma rapidez incrível. No caminho pelo qual iria passar, dezenas de injeções já preparadas. Perguntei a um assistente qual era o conteúdo das injeções:

— Eu sabia que o poeta e cronista iria nos perguntar. Estou também com o espírito e pressenti. A injeção tem aguarrás, iodo e água.

Falou, rindo:

— Se alguém injetar isto numa pessoa fora daqui, ela morre.

E contou rapidamente: tempos atrás, ele estava praticamente paralítico. Agora trabalhava ali. Um outro assistente diz que Fritz lhe operou a carótida inflamada e que está ainda em recuperação.

As pessoas em quatro filas. “O difícil não é operar, é achar um bom instrumentador. Esse aqui é ótimo”, diz Dr. Fritz, irônico, brincalhão, enquanto se refere ao ajudante e opera um homem alto. Este, levantando a camisa, mostrou um calombo perto do umbigo — um tumor, creio. Fritz passa um aparelho de barba nos pêlos na região da barriga, como se faz no hospital. Depois, pergunta: “Você quer ser operado em pé, sentado ou de cabeça para baixo?”.

Dito isso, enfia uma coisa cortante no paciente, abre um talho de uns cinco centímetros e começa a fuxicar lá dentro com alguns ferros; depois lhe passam as pinças. Ele mexe sem nenhuma delicadeza, corta um pedaço de carne vermelha de uns dois centímetros, alça-o para que as pessoas vejam. Continua brincando. O paciente não mostra o menor traço de dor, conversa com o médico, que às vezes pára um instante, fala e volta a tirar mais um pedaço de tumor. Ao final, ainda diz: “Agora vou botar seus intestinos para dentro”. Empurra-os com as gazes que tem nas mãos, as mesmas que usava, e joga-as depois no carrinho.

Outro cidadão está levando injeções. Fritz me pede para escrever-lhe a receita: antanax, plazil e mais outros dois nomes que esqueço agora. Diz também a posologia. Pergunta-nos se queremos nos curar/operar algo. Não, viemos apenas olhar.

Um outro indivíduo grande leva uma injeção de dez centímetros na coluna. Custou a entrar. Teve que trocar a agulha. Depois, passou por mim dizendo que doía um pouco e tinha dormência ou câimbra.

Outro levanta, barriga cheia de esparadrapos, mostra radiografias, explica a doença. Fritz, irônico, diz: “Um paciente que sabe mais que o médico”. Dá-lhe algumas daquelas injeções e manda-o voltar na outra semana.

Outro com um imenso calombo, infecção no cotovelo. Fritz enfia agulhas, extrai o líquido, pergunta há quanto tempo ele tem aquilo. Muito tempo, responde. Finaliza dizendo: “Vai ficar bem”. Por um momento, vai à sala de cirurgia, imensa, com portas abertas e pequenas camas. Volta e continua o trabalho, aliviando as filas.

Uma mulher com dor na coluna. “Mas com esses dois parafusos, é claro que tem que doer.” Abaixa sua calça comprida, agarra um pedaço da bunda, dá três injeções na coluna, manda ela girar, se contorcer e diz para voltar, que vai tirar-lhe os parafusos…

Cesarina Riso estava na fila dos que seriam atendidos. Perto dela, uma mulher com a crônica recortada que eu havia escrito sobre Dr. Fritz.

Affonso Romano de Sant'Anna

É poeta, cronista e ensaísta. Autor de Que país é este?, entre outros. A coluna Quase diário foi publicada no Rascunho até fevereiro de 2017.

Rascunho