08.02.1993
Há uma semana aconteceu uma patética cena no Ministério da Cultura, em Brasília. Eu havia telefonado para o Heitor Salles, subchefe da Casa Civil, pedindo uma entrevista com o presidente Itamar. Ele é meu velho conhecido dos tempos do Instituto Granbery (em Juiz de Fora), foi colega de turma do Carlos, meu irmão. Queria lhe falar do nosso trabalho, de como apoiar o Sistema Nacional de Bibliotecas, de colocar o Proler nas mãos da Presidência, queria falar da importância do Prêmio Camões, que no Brasil passa despercebido, falar da Feira de Frankfurt em 94, na qual o Brasil seria homenageado, da reunião dos chefes de estado que ocorrerá em Salvador em junho e de como ele poderia levantar a bandeira da “leitura”, etc.
O assessor me devolveu a ligação dizendo: “O presidente disse que ele é que quer falar com você”.
A confirmação foi no domingo à noite, através da secretária Suzy. Na segunda, eu tinha reunião com Antônio Houaiss e toda a cúpula da Cultura. Houaiss estava há duas semanas sendo fritado pela imprensa: diziam que estava para cair, que não fazia nada.
Procurei-o na segunda-feira em seu gabinete para lealmente lhe falar do encontro com o presidente. Eu, aliás, o havia prevenido num almoço no Albamar/Rio, com o Gullar, que gostaria de falar com o presidente sobre vários temas. Ele concordou na ocasião. Creio que proforma.
O fato é que quando disse a ele sobre o encontro, notei que ele se sentiu fisgado. E quanto passei a outro assunto na conversa ele foi ríspido: “O DNL não está fazendo nada”. Devia ser intriga de um grupo da CBL que queria de volta o INL, grande comprador de livros do governo.
Na manhã seguinte, ele abre a reunião. E pede para se gravar. Começa dizendo: “Ontem o senhor Affonso Romano de Sant’Anna me procurou para dizer que tinha um encontro com o presidente. Considero isto uma desestabilização do meu ministério”. E foi em frente. Todos perplexos. Eu, percebendo que estava no olho do furacão, um pesadelo.
Quando ele terminou, pedi a palavra e ponderei que lamentava a interpretação dada pelo ministro àquele fato. Lembrei-lhe que havia antes dito a ele que gostaria de falar com o presidente sobre a questão da leitura e outros assuntos como o encontro de presidentes latino-americanos em Salvador. Quando falei sobre leitura, Houaiss atalhou: “A leitura não é prioritária no meu ministério. É do MEC”.
Quase caí da cadeira. É o mesmo que o ministro de Minas e Energia dizer que o petróleo não tinha importância para ele.
A seguir, tive que lhe lembrar de que há quatro meses fizemos uma reunião interministerial com elementos preparatórios para a reunião de presidentes latino-americanos em Salvador, que levei à casa de Houaiss o documento já vertido para o espanhol e que deveria ser discutido.
Houaiss não se lembrava de nada.
Enfim, a discussão cedeu lugar à continuação dos relatórios dos presidentes de fundações do MinC, não antes de Houaiss ter declarado: “Amanhã irei ao presidente e direi que neste ministério não há lugar para nós dois, um ou outro”.
Pensei. Se eu me retirar, já que estou demitido, o Houaiss está fodido. Já está para cair e bate de frente com alguém que o presidente convocou e que dirige a Fundação mais operosa do governo. Isto é um prato para os jornais.
Ao mesmo tempo imaginava-me já em São Paulo, para onde iria à tarde para lançar a revista Poesia sempre, já dando entrevista como demitido. Mas a reunião foi transcorrendo. E quando chegou a minha hora de fazer um relatório das atividades na FBN, enquanto eu falava enumerando uma série de ações concretas no plano internacional e nacional, Houaiss foi se dando conta da besteira que estava fazendo. E eu falava já como demitido e fiz questão de relatar o que estava em curso. Ao final, o secretário do ministério, Edgar Acosta, pediu a palavra: “Depois deste brilhante relatório, senhor ministro, gostaria que o senhor retirasse o que disse, pois não podemos prescindir da atual direção da FBN, etc.”. A seguir Marcus Accioly (chefe do gabinete de Houaiss) fez o mesmo discurso para que Houaiss reconsiderasse sua aposição. Gullar também foi falar com Houaiss no mesmo sentido.
A reunião foi interrompida. Acho que foi uma soma de erros. Eu errei dando a impressão de que ultrapassava o ministro. O Palácio também errou. O MinC cometeu vários erros, pois em quatro meses nunca me recebeu direito para saber dos projetos. Quando dava entrevistas, ele não falava do livro e da leitura.
No entanto, depois do almoço fui conversar a sós com ele. Felizmente, ele caiu em si, viu que tinha exagerado e disse: “Entre minhas virtudes está a de reconhecer o erro”. Gostei. Gesto de sabedoria e humildade. Comuniquei-lhe então que havia cancelado a entrevista com o presidente. Era o mínimo que podia fazer. Seu rosto se iluminou.
Deve ter sido a primeira vez que alguém deixou um presidente esperando.