06.06.1991
Visitei logo na terça-feira o Emanuel Le Roy Ladurie, diretor da Biblioteca Nacional da França. Isso foi às oito, antes de começar o expediente. Nenhum funcionário lá. Ele, que viajaria às 9 horas para os EUA, à minha espera, meio desligado, espontâneo, se divertindo no computador e no gabinete empilhado de livros. Achou no computador doze livros meus na BN da França, o que aumentou logo o meu prestígio junto a ele.
Ficou encantadíssimo com a promessa de trazê-lo ao Rio para um seminário sobre carnavalização, conforme velha ideia minha e do Da Matta.
10.11.1991
Aeroporto Charles De Gaule, 3h10 da tarde. Cheguei do Cairo há uma hora e só partirei às 10 horas. Perdi os óculos ao sair do Egito, não sei como.
Leio Le XI Commendemnt, de Andre Gluksmanm, que comprei na vinda. Não gostei muito do modo como abordou o tema. Fisicamente, seu penteado me desagradou. Isso de botar o cabelo de jovem sobre o rosto enrugado é patético.
07.12.1991
A entrevista de Cleto Falcão — deputado do grupo de Collor —, na Veja, foi um horror. Confessa que “ganha” tudo de presente dos amigos. Como acreditar que Collor seja um “puro” no meio dessa corja de Maltas, Falcão, PC, etc.? É desanimador.
26.12.1991
Numa exposição de encadernações aparece na FBN uma pessoa que me contou uma dessas coisas folclóricas sobre a BN: que há uns oito anos havia um russo misterioso que ia todo dia à BN e era o último a sair. Tinha cabelo branco e óculos. Depois começaram a aparecer lá dois fucionários do consulado russo. Descobriu-se depois que a página da enciclopédia com a história da Rússia (qual?) havia sido cortada e as páginas sobre a história russa substituídas por outro texto.
Ontem Gorbachev renunciou à presidencia da URSS, que foi extinta há dias, quando Yeltsin deu um golpe branco criando a Comunidade dos Estados Independentes[1].
A tevê mostrou a cena da bandeira com a foice e o martelo sendo arriada no escuro inverno e nova bandeira (da velha Rússia imperial) subindo.
23.01.1992
Amarga sensação: certos funcionários públicos não têm solução. Uma dose de irracionalidade nas manifestações. Nunca nenhum diretor deu a eles tanto.
07.02.1992
Fui resolver problemas pendentes na Secretaria de Administração. Uma loucura! Me digo: estão querendo me enlouquecer… e conseguirão! Nada do que um funcionário diz combina com o que o outro informa. Pior: a mesma pessoa, com intervalo de cinco minutos, pode dar uma informação contraditória.
A crise no país é braba. Não mandaram os 400 milhões que nos creditaram no ano passado, com os quais já compramos os novos aparelhos de ar refrigerado e estamos tocando obras. Estão ameçando contigenciar 50% de novo. Conversei com o Rouanet, mas ele não consegue resolver isso, deveria conversar com o Governo, não podem mexer na verba da cultura que é só de 0,04% do orçamento.
15.02.1992
Recordando: terminou ontem a Rio 92. Não sei se Collor aguenta a revelação do esquema de corrupção montado em seu governo. Claro que ele deve ter participado de tudo. É uma situação esquizofrênica. Pudesse, escreveria um ensaio/artigo “O retrato de Dorian Collor” — a sua face bela de governante que fala com firmeza, com o pé no primeiro mundo e o outro, corrupto e violento com substrato de Alagoas, que os jornais denunciam.
E uma situação esquizofrênica.
Duas coisas podem ocorrer: o “impeachment” ou ele se tornar refém da oposição até o fim do governo.
15.02.1992
Conversa com Sérgio Telles em Brasília, diretor do Departamento de Cultura do Itamaraty. Falávamos da ajuda do Itamaraty para enviar a “Bibliografia Brasileira” da BN, já que não temos orçamento suficiente e eles têm a “mala diplomática”. Seria uma forma de outras instituições no exterior saberem o que publicamos. Estava eu reclamando que o Itamaraty não estava enviando a publicação conforme o combinado. Sérgio Telles pega o telefone e conversa com um funcionário para saber por que a coisa não era enviada. Explicam-lhe que era por causa do tamanho da publicação que excedia a mala diplomática. Pediu então que lhe dissessem qual era o tamanho da mala diplomática.
Resposta que o seu secretário trouxe: “Não podemos informar, porque é segredo de estado”.
Espanto e riso generalizado. Ele deu uma bronca, ordenou e lhe informaram o tamanho da mala, “aproximadamente”.
12.04.1992
Estou voltando de uma viagem ao Chile e Argentina. O Embaixador brasileiro no Chile, Guilherme Leite Ribeiro, me diz que a situação financeira do Itamaraty e das embaixadas é braba. Ouço dele o que ouvi do embaixador Alberto da Costa e Silva, na Colômbia, de que estão tirando dinheiro do próprio bolso para pagar despesas das embaixadas. Nosso embaixador na Argentina me manda um fax dizendo que não tem gasolina no carro para mandar me pegar no aeroporto.
Sugiro que comece a alugar as embaixadas para festas, ia render um bom dinheiro.
Nota
[1] Gorby esteve com sua esposa Raissa no Rio anos depois e num jantar eu lhe dei o livro 1991 – Estávamos em Moscou. Ele olhou a capa, estranhou e disse: “Mas tem torre demais nessa reprodução do Kremlim”. Tive que revelar que Ziraldo é que inventou mais torres para o desenho ficar mais equibrado.