27.09.1982
Tarso de Castro, João Ubaldo, Maria Helena Carneiro da Cunha, Antonio Houaiss, Roberto Dávila e eu — entrevistando Jorge Amado. Parece que o programa foi bom, a acreditar nas repercussões um dia depois, por pessoas que me pararam na rua, na ginástica e até na minha ida ao Ministério da Fazenda (pois caí na malha fina. Logo eu.).
A situação de Jorge Amado é difícil. Tentei fazer-lhe todo tipo de pergunta objetiva, esforçando-me por provocar um clima parecido com aqueles da entrevista do Jorge Semprún. Aliás, me disse o Ávila, que foi o próprio Jorge que sugeriu meu nome entre os entrevistadores, por causa da entrevista com o Semprún.
Perguntei-lhe sobre a relação com o PC hoje, sobre sua visão de Prestes, sobre suas relações com o stalinismo, ele que recebeu o Prêmio Stalin, 1956. Perguntei-lhe também sobre o caráter religioso do PC. Em geral, ele se saiu bem. Mas ele tem ainda uma série de laços com o PC, mesmo que sejam laços afetivos. É neste sentido que ele elogiou tanto Prestes e Giocondo Dias, ficando com ambos. Mas fez uma autocrítica reconhecendo que em certo momento de sua vida foi muita sectário. Mas que em outro momento deixou isto tudo de lado e começou a pensar de maneira mais independente.
Duas observações sobre seus livros.
1) Confessou que havia pensado em fazer o Pedro Archanjo da Tenda dos milagres uma espécie de Marighella, que ele tanto estimava. Mas mesmo tendo diluído na biografia do personagem fatos biográficos de Marighella (como a prova que fez em versos), Pedro Archanjo, ao invés de revolucionário, casa-se com a filha da burguesia, uma branca. Diz, deste modo, que o controle que tem sobre seus personagens é relativo.
2) Contou também que o fim de Dona Flor “seria outro: depois de dormir com Vadinho (que volta da morte), ela vai com ele para o outro mundo, numa saída mítica e mágica. Mas para sua surpresa, após Vadinho, ela vai para a cama com o marido Teodoro, gosta e acaba ficando com os dois.
30.01.1983
Vindo de Belo Horizonte com Marina, onde a Cemig orquestrou o lançamento de um livro-álbum de fotos de BH do princípio da década de 1940: Curral del Rey e JK. Grande festa no Automóvel Clube. Presentes políticos e a sociedade. O governador que sai, Francelino Pereira, e o que entra, Trancredo Neves. Reencontro com velhos amigos, leitores, desconhecidos.
Viajamos com Otto Lara, Fernando Sabino, Helio Pellegrino, Paulo Mendes Campos e esposas, mais Abgar Renault e Alphonsus de Guimaraens Filho. Jantar na “Casa dos Contos”, reencontro com Roberto Drummond e França Júnior, Branca de Paula, Jaime Prado Gouvêa. Encontro de gerações.
Sessão de cinema no “Palácio das Artes” e o filme de longa-metragem sobre BH antigo. Almoço no Minas Tênis Clube, com toda a turma mais Maria José de Queiroz, antiga professora de literatura hispanoamericana.
O filme sobre Belo Horizonte me impressionou. Como disse a amigos, vendo ali cenas do princípio do século, desfiles, festas, chegada dos príncipes ingleses, revolução de 30 e 32, a ditadura de Getúlio, a “legião de outubro” do integralista Francisco Campos; e vendo (a partir de hoje) o discurso de João Pessoa, os discursos de JK, etc, essas coisas me dão a seguinte sensação: o país que se perdeu a si mesmo. E sinto que isto é coisa desde 1500. Me explico: é como se houvesse uma grande bola ou objeto qualquer sendo empurrado por diversas forças, mas em direções não coincidentes: exército, igreja, poder econômico, e o inefável “povo”, etc. Haveria um traçado no chão ziguezagueante, cambaleante, confuso. A direção seguida não é a que nenhum grupo queria, nem mesmo os vencedores e donos do poder. Dá uma sensação melancólica de desencontro. Uma cidade com menos de 100 anos — Belo Horizonte — já foi desvirtuada dezenas de vezes, virou uma aberração.
(Leio no Pasquim entrevista do Henfil com a mulher que há dois anos esfaqueou o Roberto Campos, dada como sua amante.)
Paulo Mendes Campos, sobre a história de BH, lembra que um arquivista da prefeitura queimou os arquivos, porque só tinha coisa velha e o que interessava era o futuro. O filme que mostra é um terço do material, pois os outros dois terços estavam inviáveis.
(Marina conta que o Jornal do Brasil queimou a coleção de fotos antigas quando fez a reforma modernizadora).
12.09.1999
Jantar na casa de Roberto Irineu Marinho dia 6 de setembro em homenagem a David Rockfeller. Presentes alguns intelectuais. Pedro Corrêa do Lago, Arnaldo Jabor, João Ubaldo, etc., além de Turíbio Santos que tocou peças brasileiras com seu conjunto. João Ubaldo, depois do jantar, numa mesa, em que estávamos uns poucos, contou estórias de seu pai e sua família, de cangaceiros, a origem de Sargento Getúlio. Falou a noite inteira, só ele.
Roberto Irineu nos levou a ver, no subsolo, sua formidável adega especializada em vinho da Borgonha. Portentosa. Karin, sua mulher, estava lindamente grávida de gêmeos. Roberto mostrou sua coleção de champanhe Don Peringon. Perguntei a David Rockfeller sobre a Villa di Bellagio onde estive como bolsista com Marina recentemente. Disse que quem cuida de tudo é sua filha Peggy.