Já fomos bem piores

Como é duro suportar o Q.I. deste país!
A crítica norte-americana Susan Sontag
01/08/2012

07.11.1980
Como é duro suportar o Q.I. deste país!

15.07.1981
Pena que o país não possa me acompanhar no meu crescimento. O país piora e eu, paradoxalmente, melhoro, porque sei que estou na fase mais produtiva de minha vida. É como se eu adivinhasse que tenho uma obra a ser realizada e os próximos dez anos serão definitivos.

21.09.1981
O presidente Figueiredo teve um enfarto na sexta-feira, dia 18. Soube-o em Curitiba, onde fui julgar prêmios de ensaios numa comissão com José Guilherme Merquior (agora no gabinete de Leitão de Abreu) e Franklin de Oliveira.

08.12.1981
No mais, é sempre um solavanco ler essas revistas do Brasil. Um sentimento de inferioridade. De fatalidade histórica. Vendo esses militares fazendo declarações, é difícil crer que vão entregar o governo aos civis. Não há jeito. Só com a morte dessa geração de militares que vem dos anos 1920 é que poderemos avançar.

17.12.1981
Meu Deus! Como os argumentos dos militares poloneses no poder (e dos soviéticos) são idênticos aos dos militares brasileiros! Hoje houve na TV deles até aquela ridícula sessão de mostrar “material subversivo” dos sindicatos, coisa que estamos cansados de ver na TV brasileira.

15.01.1982
Ser do terceiro ou quarto mundo é realmente viver fora de foco. Mas que dói, dói.

19.03.1982
Excelente este artigo no Nouvelles Littéraires no qual Susan Sontag diz sobre o comunismo: “Nós tínhamos medo de parecer anticomunistas. Nós estávamos errados […] O comunismo é o fascismo que teve êxito”. Exatamente minha tese, expressa em vários artigos, sobretudo na última Isto É, na qual falo que sempre tivemos uma relação torta com os comunistas, com medo de sermos compreendidos como anticomunistas.

31.12.1982
O ano vai acabar. São 19h15. Vim da praia. Agora essa coisa quente dos trópicos, sensualidade vazando pelos poros da tarde. Carnaval nos bares. Foguetes. País alucinante.

E pensar que economicamente falimos: essa dívida de mais de 80 bilhões de dólares. Impagável. Escândalos financeiros. Ainda ontem estourou o grupo Delfin de Poupança em 70 bilhões — e, às ocultas, o governo cobriu. E agora a Polícia Federal arquivando o vexaminoso processo do TRE contra Brizola, alegando que não há provas. Vergonha sobre vergonha. Deveria republicar A implosão da mentira, como me sugeriu um leitor. As usinas atômicas com defeito e um débito de 30 bilhões de dólares. Todo mundo sabendo que 1983 vai ser um desastre.

25.08.1983
O país de mal a pior. Agora o JB publica fotos e charges: nordestinos se alimentam de ratos e lagartos. (Claro, não se pode generalizar, mas a imprensa cria fatos.) Estamos encalacrados na abertura/fechadura: como um rato que não passa pelo buraco, coloca aí sua cabeça, e não passa. Entalados. Essa “abertura” não é suficiente. Precisamos, urgentemente, de eleições diretas. Todo mundo quer isto, menos os débeis mentais do Planalto do SNI.

09.09.1983
O quê que está ocorrendo com este país, meu Deus?! Faz mais de uma semana que dezenas de saques contra supermercados ocorrem na Zona Norte do Rio. Seca braba no Nordeste, não chove há cinco anos; inundação e geada no Sul; dívida externa de 120 bilhões de dólares; as reservas de ouro acabando; o ouro descoberto em dezenas de minas se esvai; rombos financeiros — o último escândalo foi da Coroa-Brastel: $400 bilhões. Todo dia estouram financeiras. A inflação que o governo diz ser de 150% ao ano é de 300%, pois a TV mostrou ontem que é nessa proporção que sobem os preços dos produtos básicos: legumes, carne, arroz e feijão.

E Figueiredo mudo, sustentando a política do Delfim. Me disse Carlos (meu irmão, diretor da Petrobrás) que está indo negociar petróleo lá fora, mas que tem que convencer os outros a receber daqui a seis meses. Não há lastro, não há $ para o petróleo, não há credibilidade do povo no sistema.

Os que estão no governo não sofrem oposição (proibida). Nada que se assemelhe à feroz oposição que JK e Getúlio sofreram…

Affonso Romano de Sant'Anna

É poeta, cronista e ensaísta. Autor de Que país é este?, entre outros. A coluna Quase diário foi publicada no Rascunho até fevereiro de 2017.

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