01.11.1982
Aniversário de Drummond (ontem). Festival insólito, jamais visto no país para um intelectual. Não sei se mesmo no exterior já se fez algo assim. Em São Paulo, Minas e Itabira — chuva de poemas sobre a cidade. Mês inteiro de comemorações. No Rio, desenharam imensa flor no asfalto em frente à sua casa. Representações de O caso do vestido em vários pontos da cidade. Suplementos e edições especiais. Até a revistas como Cláudia ele deu entrevista, onde aparecem a filha e os netos. Discursou na Biblioteca Nacional, na abertura de sua exposição. Até hoje, pós-aniversário, o JB deu foto na primeira página dizendo que ele foi com a família para um hotel fazenda no estado do Rio. Ontem, até os colunistas políticos, como o Fernando Pedreira, lhe dedicaram espaço. O JB fez-lhe um editorial, depois de já ter publicado um suplemento de doze páginas na terça. O Estadão publicou meu poema Homenagem ao Itabirano no suplemento especial e apresentou um artigo do Décio Pignatari, em que o concretista, voilà!, vem com seus velhos vícios de citações e vezo do trocadilho a ironizar e dar parabéns. Cobra do Drummond várias coisas: que este seria caudatário do concretismo em Lição de coisas. Em parte, Décio está certo: sem o concretismo, CDA não teria feito muitos dos poemas que fez. O concretista a puxar a brasa e Drummond a querer apagar as pistas, seus débitos. Na verdade, ele não precisava, na introdução de Lição de coisas, dizer que “pratica mais do que antes a violação e a desintegração da palavra, sem entretanto aderir a qualquer receita poética vigente. A desordem implantada em suas composições e, em consciência, aspiração a uma ordem individual”.
Aliás, um dia alguém pode fazer mais detalhadamente aquilo que John Gledson começou e parou: mostrar as influências em CDA, coisas marcantes como [Jules] Supervielle e outros. O poeta é bom, mas é leitor contaminado. Haja vista os contos curtos de Marina [Colasanti] que sempre o impressionaram, que ele, entusiasmado, mencionava em conversa comigo, até que de repente publicou um livro de contos curtos.
09.11.1983
Morreu atirando-se pela janela Ana Cristina Cesar, que havia quase um mês antes tentado se matar na praia da Barra, depois de tomar alguns comprimidos.
Trauma. Ela é prima de Marina, minha cunhada. Conheci Ana C. desde menina na casa do meu irmão. Estive em algumas festas familiares com ela, Natal, aniversários. Era tida como uma menina excepcional, e a conheci ainda adolescente. Como eu era diretor de Letras da PUC (anos 1970), ela teve uma conversa comigo antes de optar por fazer Letras. Participou da Expoesia com o Cacaso, Geraldinho Carneiro e outros poetas do Departamento. Em algumas fotos de conferências com Foucault, por exemplo, ela aparece na platéia. Não chegou a ser minha aluna, mas algumas semanas antes dessa tragédia me ligou para conversar sobre pós-doutoramento.
23.11.1982
Vim de Campos do Jordão, onde com Marina participei do “V Moitará”, reunião de dezenas de analistas junguianos orientados por Carlos Byington, nosso amigo.
Dos debates, participaram: Décio Pignatari, Aracy Amaral, José Miguel Wisnik, eu, Byington, Carlos Lemos (arquiteto) e Telê Ancona.
A exposição do Décio foi uma “overdose”. Gastou quase toda a tarde para explicar a teoria do Pierce através de slides. Isto não tinha nada a ver com o “modernismo” que era tema da sessão, mas é o assunto que o fascina nos cursos que dá na PUC-SP e está relacionado com o concretismo.
Curiosa foi a apresentação do Wisnik. Fazendo o papel de tímido, acabou mobilizando emocionalmente a platéia. Contou aquela estória de Mário e seu irmão que ia ser músico, e como isso marcou Mário.
Não gostei de minha apresentação. Não consegui (pelo menos para mim) explicar direito a relação entre modernismo e carnavalização.