25.07.1988
Em casa de Tônia Carrero outro dia (apesar da hepatite, com licença/autorização do Pedro Henrique de Paiva, almoço de despedida de Paulo Autran [fim da novela Sassaricando]), tive uma boa conversa com ele, dizendo-lhe como havia gostado, há meses, de uma entrevista que concedera: tão sereno, tão sábio, acima dos rancores.
A conversa foi tão agradável, sincera, que o Simão Cury, que vive com o Carlão, disse que gostaria de tê-la gravado.
Presentes: Celia Biar, Rosita Tomás Lopes, Maitê Proença, Irene Ravache e Edson, Carlão, Ana Maria Santeiro e outros. E Tônia ótima. Mais uma plástica, mas ótima. E tão gentil comigo, como sempre, mandando até fazer comida “para o Affonso” (e as pessoas comiam fazendo piada). Era um frango, além de bobó de camarão, que ela achava que talvez não fosse bom para hepatite.
Devia ter-lhe enviado flores. Mas a hepatite atrapalhou. Sim, a hepatite passou da fase “padecente” e “glorificante” para a fase “aporrinhante”. Começo a me deprimir. Hoje, chorei duas vezes, de tristeza, de ficar aqui “inútil” como aquele marido da Jandira no poema de Murilo Mendes.
Lauro Escorel, aqui em casa, fazendo, com Marina, roteiro de um filme onde recupera suas vivências em Roma, ao tempo em que seu pai foi embaixador lá. Revela que Joaquim Pedro e Andrade (tragédia) está com câncer nos dois pulmões.
Lá se vai uma geração de cinema, o próprio Lauro comenta sobre seus ídolos. Já foram Glauber, Leon Hirszman e outros como o Olney. Paulo Autran, no entanto, me disse que Flávio Rangel está com o câncer estacionário depois que se encontrou três vezes com aquele guru mineiro que curou Nara Leão.
Vou ligar pro Flávio Rangel.
31.05.1988
A leitura de Pedro Nava durante esta doença (hepatite) está gerando-solidificando em mim um certo amadurecimento. Minas, o tempo, a morte. Pensei até em escrever um longo poema de reencontro com esses temas e o passado.
Constato em Nava como é importante o “grupo”, a “geração”, a AMIZADE — que ele inscreve em caixa alta em O círio perfeito. E como lamento que minha geração nisto foi um fiasco.
Que esplêndida descrição faz Nava de Murilo Mendes no enterro do Ismael Nery. Lembro-me de tê-los visto, Nava e Murilo na casa do Odylo Costa Filho. Por que não anotei a conversa dos dois ali em pé, como dois mamutes, históricos, admiráveis, risonhos?
Consideração sobre minhas limitações e as memórias. Falta-me vocação para esses detalhes. Já com as crônicas, muitas coisas estão lá e também na poesia.
04.06.1988
Dizia ontem a uns alunos de Letras que aqui vieram me visitar, pois querem fundar uma revista literária: há um ritmo de leitura e suas devidas compatibilidades. Por exemplo: doença, prisão, exílio são bons para se ler longas estórias.
Nesse dia mesmo Ziraldo me falou que leu Guerra e paz na prisão. Li os dois volumes da edição que tenho no hospital militar em Juiz de Fora quando me operaram a hérnia. Por isso, agora leio Nava. Doença: outro ritmo. Hora de ler A montanha mágica. Não é à toa que foi escrito em ritmo de doença.
Velocidade da vida e dos textos.
Não há nada melhor para a leitura do que a hepatite.
Outro dia, encontrei no Nava: Afonso Arinos, tuberculoso; Murilo Mendes, tuberculoso; Ismael Nery, tuberculoso; Manuel Bandeira, tuberculoso.
É a última geração romântica dentro do modernismo?
16.06.1988
Finalmente sarei da hepatite. Quase três meses!
Antonio Candido e Gilda estiveram aqui em casa ontem. Eu tentando seduzi-los a serem professores por mais tempo na PUC/RJ. Ficaram tocados com o convite. Ele está emocionado com os alunos da PUC/RJ. Disse que achava que nunca mais daria aulas. Se entusiasmou. Confessou que todo professor é um ator. Gosta de falar, pois quando fala se acha inteligente, quando se cala se sente burro.