Fernando Sabino, há 10 anos

Morreu Fernando Sabino hoje de manhã. Vim agora, com Marina, do São João Batista, onde o velório começou às 5 da tarde. Antes, TV Bandeirantes, Globo, e jornais me prenderam a tarde
Fernando Sabino, escritor, jornalista e editor brasileiro
01/09/2014

11.10.2004
Morreu Fernando Sabino hoje de manhã. Vim agora, com Marina, do São João Batista, onde o velório começou às 5 da tarde. Antes, TV Bandeirantes, Globo, e jornais me prenderam a tarde. Ao chegar ao cemitério, na calçada, encontro vários “sobreviventes” — Moacyr Werneck de Castro, com seus 87 anos, Wilson Figueiredo e Lourdes, com 80, Sábato e Edla, ele com 77. Nos abraçamos, nos confortamos, nos ironizamos e concluímos o óbvio: Fernando viveu uma boa vida e teve tempo de planejar a retirada.

Lá na sala, imprensa, depois os amigos em torno do caixão. Abraçamos Mariana, Verônica, depois chegou a filha mais velha casada com Miro Teixeira. Luiz Lobo junto a mim ao lado de Fernando no caixão. Encontramos Marcelo Andrade, uma espécie de filho adotivo de Fernando, que o acompanhou nos últimos anos, que foi seu confidente e até seu testamenteiro. Fernando assistia a suas peças e deu autorização para ele encenar O grande mentecapto, etc.

Com Marina comentamos como nossos amigos estão partindo. Outro dia o Zero Hora, de Porto Alegre (RS), referiu-se à Marina como “uma senhora de quase 70 anos”. E descubro grandes escavações no meu rosto.

Em casa, propus tomarmos um drink em homenagem ao Fernando. Geralmente sempre fazemos isso quando um amigo se vai. Tomei banho para limpar-me um pouco dos detritos da vida.

Lembrei-me de Fernando lá em BH, 1958, numa tarde de autógrafos, muitas mulheres, ele jovem e bonito. Depois o convidei para uma entrevista na casa do João Marschner, onde reuni os escritores que tinham levado o impacto de O encontro marcado. O Diário de Minas publicou a entrevista. Lembro-me também dele no Colégio Estadual, em torno de 1964, fazendo conferência para os alunos, muito vivo e alegre. Eu era professor lá. Bem, depois vim para o Rio e ficamos amigos. Encontrava-o sempre passeando, voltando da praia. Nos últimos tempos me dizia que estava cuidando de suas obras póstumas…

Ele jantou aqui em casa com Otto e Hélio na homenagem que fizemos ao Murilo Mendes (anos 70). Marina estava grávida da Alessandra. Depois muitas vivências, até viagem a Minas com ele (e mineiros de várias gerações), muitas conversas telefônicas (ele era um contador de casos); e aquela estória engraçada que o Drummond me contou: como eu tinha na PUC/Rio uma aluna chamada Lígia Marina, Carlos Drummond contava com certa graça e maledicência: o Fernando pediu ao outro Fernando (cineasta e primeiro marido de Ligia), a mulher (Lígia) emprestada para fazer aquele curta sobre Drummond… e nunca a devolveu…

Referia-se ao curta onde Lígia aparece num bar, como aluna de Letras papeando com Drummond. Era um filme daquela série que fizera com David Neves onde aparecem também Erico Verissimo, Nava e outros.

Vou procurar algumas referências que tenho feito ao Fernando. Lástima que eu seja um “diarista” meio relapso, pois ele contava coisas engraçadas. Das coisas mais dignas na vida de Fernando foram as duas doações, em dinheiro, para a causa de menores abandonados. Doou tanto a fortuna que ganhou com aquele best seller sobre Zélia Cardoso, quanto a quantia do Prêmio Machado de Assis conferido pela Academia Brasileira de Letras pelo conjunto de sua obra. E não era pouca coisa. E não fez disso qualquer alarde.

Quando soube que Mário de Andrade havia sugerido que ele tirasse de seu nome o primeiro sobrenome — o Tavares, passei a chamá-lo de “sr. Tavares” e nos telefonemas lhe dizia: — “Alô é da Alfaiataria Tavares? Aqui é do Armarinho Romano” e conversávamos, quer dizer, eu o ouvia por horas, que falar era um esporte a que se dedicava.

Hoje de manhã pensei nele. Tive um pressentimento de que ele ia morrer. Tantos amigos morreram nos dias em que tinha que fazer crônicas. (Farei uma crônica para Fernando n’O Globo. Mais uma, falando do seu enterro.)

Me lembro agora quando Rubem Braga me telefonou comunicando que Hélio Pellegrino acabara de morrer… e eu ali quase começando uma crônica, que interrompi, claro, e fiz outra que virou poema. Pelo menos era assim que Fernando a considerava, ao me dizer num encontro na rua: “Li o seu poema para o Hélio, magnífico!”.

Ele teve uma vida movimentada: casou com a filha do governador Benedito Valadares e a recepção foi no Palácio da Liberdade. Fez a campanha de Juarez, era amigo de Clarice e publicou aquelas famosas cartas entre eles; foi adido cultural na Inglaterra, foi editor, foi com Jânio a Cuba, etc.

O enterro dele não foi triste. Ficamos ali conversando depois do sepultamento, quase alegres, saudando o que se foi corretamente.

Affonso Romano de Sant'Anna

É poeta, cronista e ensaísta. Autor de Que país é este?, entre outros. A coluna Quase diário foi publicada no Rascunho até fevereiro de 2017.

Rascunho