07.03.1994
Bogotá. Reunião do Cerlalc (Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e no Caribe). Exerço a presidência do Conselho do Cerlalc. Saio para jantar com Julián Murguía, que dirige o Instituto do Livro no Uruguai, e Paco (Francisco) Gonzáles, de instituição similar em Cuba. Paco conta estórias das 17 vezes que foi à Rússia, tal a ligação entre cubanos e russos. Foi inclusive ao Azerbaijão. Os russos tentaram demovê-lo (eram os anos 70) de ir lá, sugeriram outros lugares. Ali, constatou que aquela cultura nada tinha a ver com o comunismo. As mulheres de véu, sempre andando atrás dos maridos, um outro universo lingüístico.
Aprendeu russo servindo com soldados russos. Faz críticas a Fidel — ele não acompanhou as mudanças. Senti na conversa, que ele estava sendo discreto, mas convencido da falência do regime.
Contou que a indústria de pesca não foi permitida nem se desenvolveu porque o governo cubano temia que os pescadores fugissem para os Estados Unidos. Também temiam os ataques dos anticastristas.
Contou do fracasso da “grande safra” nos anos 70. Ia ser a melhor colheita de cana do mundo. Não foi. Ele, burocrata, cortava cana que não valia 100 pesos, mas continuava ganhando o seu salário de 500 pesos. Resultado: a indústria e tudo mais pararam, o país estava todo cortando cana. A economia degringolou.
Lembrou que Mao Tse Tung resolveu que a China teria a maior produção de aço do mundo: cada um faria uma barra de aço em sua casa. Resultado: um desastre.
Por outro lado, ponderou sobre o imenso tesouro cultural que é ter tanta gente que aprende línguas e já vivendo no exterior. Só por Angola passaram 300 mil cubanos em 15 anos.
Narrou que o pior era quando alguém do quadro (ou não) não correspondia à expectativa. Se sua filha não se saísse bem nas tarefas do partido, ia sendo marginalizada e acabava “patrulhada” para sempre, desmoralizada, virando cidadã de segunda classe.
Pagamos-lhe o jantar — por sugestão de Murguía.
Marina me havia contado, voltando de El Salvador, há dias, que a escritora cubana que lá chegou não tinha um tostão para sair à rua. E tiveram que lhe comprar um par de sapatos, pois tinha ido com um sapato emprestado.
Enquanto presidente da Fundação Biblioteca Nacional e presidente do conselho do Cerlalc, tento desenvolver com Paco um projeto de ajuda cultural diante da crise econômica e editorial de seu país. Contou que Cuba, editorialmente, produzia 3 mil títulos por ano, e que agora, nem um terço. Me sugere que no projeto que lhe proponho, eles mandariam os fotolitos (já que não têm papel) e imprimiríamos no Brasil como doação. Pede que lhes mandemos livros, em espanhol ou português. Falamos sobre editar livros brasileiros em espanhol e mandar para lá, fazendo com que os cubanos tenham informações novas.
09.03.1994
Fazer uma crônica: Cuba, Numância e Massada: os povos/comunidades que resistiram até a morte. Está na hora de “Patria o muerte”, virar “Pátria e Vida”. Fidel — prisioneiro do seu slogan.