Como Rouanet substituiu Ipojuca

Ijojuca caiu há quase um mês. Era secretáro de Cultura da Presidência
31/08/2015

30.03.1991
Ijojuca caiu há quase um mês. Era secretáro de Cultura da Presidência. Num dia me telefona Oto Maia, lá da Presidência. São 7 horas e tanta da noite, eu no escritório da FBN conversando com Silvia Eleutério, da Fundação Roberto Marinho. Oto diz que gostaria que eu fosse ao Palácio no dia seguinte para a assinatura de um pacote áudio-visual da Secretaria de Cultura. Eu, meio reticente, perguntei francamente:

— Será que tenho que ir? Não é bem minha área.

— Se eu fosse você, viria. Será uma continuação da conversa que tivemos há um mês.

Referia-se à entrevista que tive com Marcos Coimbra, quando liguei para agradecer a força que me deu para a nomeação dos diretores, a despeito da posição contrária do Ipojuca. E disse-lhe francamente naquela reunião os nomes dos possíveis candidatos à secretaria, caso substituissem Ipojuca. Comecei com Sérgio Paulo Rouanet, que nem conheço pessoalmente, mas que é intelectual e do Itamaraty, não tem desgaste político aqui e supreenderia as esquerdas. Disse até que o presidente gostava do Merquior, que morrera, e que o Rouanet era um Merquior mais light. Lembro-me de que Coimbra tinha uma vaga ideia de Rouanet e Oto referiu-se a ele como se fosse uma possibilidade em quem nunca haviam pensado, fazendo a seguir cometário sobre um ou outro aspecto da carreira do Rouanet.

Chego ao Palácio e nos corredores encontro João Santana, do Ministério de Planejamento, com quem começo a conversar pedindo-lhe para exonerar o inventariante Casimiro Eligio. E surge Oto confirmando algo que Santana me falou: o Ipojuca ia cair naquele dia.

Fui para a sala onde haveria a assinatura do pacote visual. Ipojuca fez seu discurso. Assinou papéis. Saíram da sala e Oto me disse: “Agora vai ser a degola” . Daí a pouco na sala de Oto, aparece Mário Machado. E Oto diz: “O Rouanet está aí e vai falar com o presidente”.

Estava tudo já encaminhado, mas o estilo do Itamaraty é sempre cauteloso. O resto da tarde foi uma felicidade só. Conversamos com Rouanet, que veio falar com o presidente. Não o conhecia, mas foi simpaticíssimo.

Lá pelas tantas, eu, Mário Machado (Ibac) e Lélia Coelho Frota (Patrimônio) íamos saindo do Palácio para nossos escritórios, quando um batalhão de repórteres nos cercou indagando quem eu era, se eu era o novo secretário, por que estava ali? etc. No Rio e São Paulo corria o boato de que eu seria o novo secretário. O telefone da biblioteca não parava. Idem o de minha casa.

Expliquei aos repórteres que o candidato já havia sido escolhido. Disse o nome, mas continuaram me perseguindo Palácio a dentro, até o elevador. Dali a uma hora houve o anúncio do nome de Rouanet, sua primeira entrevista coletiva, no Palácio, e voltamos felicíssimos para o Rio.

Funcionários da Secretaria da Cultura fizeram panelaço e demonstrações de alegria pela queda de Ipojuca.

Há várias semanas acontece um festival de entrevistas do Rouanet. Ele já visitou a FBN. Infelizmente eu não estava lá, e sim na Colômbia, já nos falamos várias vezes por telefone e conseguiu do presidente a liberação de dinheiro, etc.

De qualquer jeito me escandaliza a morosidade burocrática. Vários diretores e funcionários, o diretor de administração, Tomás de Aquino, há três meses trabalhando, sem receber. Outros, idem. O orçamento não chega. Zélia Cardoso está retendo tudo em Brasília.Vou convidá-la a vir à FBN.

Ainda não consegui um prédio/espaço para pôr o DNL com o Márcio Souza e seu pessoal. Trouxe Janice Montemor, antiga e respeitada diretora, para me assessorar. Trouxe de volta Mercedes Pequeno — outra figura notável, da área da música. As pessoas me param na rua para manifestar simpatia pelo trabalho. O astral na FBN é ótimo.

Realizamos o congresso da Associação de Bibliotecas Nacionais Iberoamericanas. Um sucesso. Reuniões na sessão de Obras Raras. Virgína Bettencourt, secretária-geral, 22 presidentes de BN presentes. Recepção bela na casa de Ricardo Cravo Albin, arranjo da Ester Betoletti.

Greve em outras instituições. Um funcionário — o Madureira, eletricista —, referindo-se a outras instituições federais que aderiram por questão salarial, disse: “A FBN não entra em greve. Lá o diretor até nos deu rosas no Dia do Bibliotecário”.

O advogado Márcio Cataldi acha que sou muito “democrático” com os funcionários, que não se pode dar as coisas todas que pedem, que é necessário manter o sindicato sempre à distância. Em reunião e pessoalmente lhe disse: “Acho que funcionário é o nosso grande investimento e darei a eles tudo a que têm direito”.

09.05.1991
Ontem caiu Zélia Cardoso de Mello, ministra da Fazenda que fez aqueles planos radicais, confusos. Dentro de quatro dias, dia 13 de maio, Collor vai à Biblioteca Nacional fazer grandes declarações sobre a política do livro, a partir de coisas que sugeri ao Rouanet[1]. É sua primeira investida para retomar terreno na área da cultura, depois da nomeação do Rouanet. Acabei de fazer o discurso de saudação a ele. Dei ao Rouanet os dados do discurso do presidente. Abordarei o que chamo de Projeto Biblioteca Ano 2000.

(Me dou conta de que inúmeras coisas aconteceram nestes dois meses. E eu não anotei nada).

[1] A mudança de Collor em relação à classe artística está expressada nos jornais de então: Presidente se reconcilia com artistas (JB: 14.05.1991); Collor vai prometer guinada na relação com a cultura (JB: 11.05.91); A cultura renasce da paixão dos artistas (Correio Brasiliense).

Affonso Romano de Sant'Anna

É poeta, cronista e ensaísta. Autor de Que país é este?, entre outros. A coluna Quase diário foi publicada no Rascunho até fevereiro de 2017.

Rascunho