15.03.1988
Almoço com Roberto Marinho na TV Globo. Resultado de mais de um ano em que ele tenta me levar para o jornal. Isso ocorreu depois de vários recados por meio de meu irmão Carlos (diretor da Petrobras) e mesmo de toques pessoais como num encontro que tivemos num concerto no Teatro Municipal.
Fui com Marina para me garantir e diluir as dificuldades. Ele sedutor, falante, contando casos os mais variados, sempre simpático. Lembrou sua amizade com Claudia Muzio, mezzo soprano, que freqüentou o Parque Lage, ao tempo de Gabriela Bezanzoni, tia-avó de Marina. Lembrou que a cantora fez com que contratassem um padre-maestro, que era na verdade seu amante. Lembrou que enquanto lhes mostrava a Floresta da Tijuca, Cláudia e o maestro-padre se entregavam às carícias… Lembrou sua amizade com Gabriela Bezanzoni e o modo como ofereceram a ele a compra do Parque Lage. (Uma história complicada, pois dizem que ele queria fazer ali um cemitério vertical junto com Lindolfo Collor, e, posteriormente, rompeu com Carlos Lacerda, porque este desapropriou o Parque Lage).
Falou de mergulho, cavalos, contou piadas e mandou buscar fotos onde aparece sentado no trono da Aída de Verdi, quando encenada na Quinta da Boa Vista. Contou casos de Brizola, por exemplo, de como este falava-falava, mas se negava a olhar a bela paisagem da Lagoa e do Jardim Botânico que se vê ali de seu escritório na Globo. Não elogiar aquela vista era quase um insulto a Roberto Marinho. Aliás, Brizola só olhou a janela para localizar onde estava um Centro Integrado de Educação Pública (Ciep). E assim outros casos, como aquela estória, do misterioso e provável gravador que haveria sob sua mesa n’O Globo, e que assustava Brizola. Como percebesse o nervosismo de Brizola, deu-lhe um susto: apertou um botão e ouviu-se um tipo de “concerto”, estranho “concerto”: Roberto Marinho havia mandado gravar os ruídos de tiros de treinamento do quartel ao lado, que Brizola prometera tirar dali.
Enfim, mil estórias que tenho até preguiça de narrar aqui. De repente, ao final do almoço, perguntou à queima-roupa: “Então, quando começamos?”.
Já tínhamos três horas de conversa. Disse-lhe que precisava conversar com o JB. “Para mim, por razões afetivas é totalmente estranho deixar o JB. Vou ter que resolver isto nestes dias.”
23.03.1988
Roberto Marinho telefonou há dias dizendo-se “ansioso” por uma solução e começo de meu trabalho. Tanto eu quanto Marina estamos surpresos com tanto interesse. Também Stella Marinho, sua primeira mulher, me dizia ontem também estar surpresa com o interesse do “Robertão” pelos meus textos.
09.04.1988
Fui conversar com Roberto Marinho. Mesmo com hepatite, fraco, amarelo, fui. A sala dele no jornal não tem janela, ao contrário da sua sala na TV, cuja janela ocupou parte de nossa conversa no almoço. Afável, começou a fechar o negócio. Ao final perguntou pela recondução de Carlos, meu irmão, à diretoria da Petrobras. Quando lhe falei que a decisão seria naquele dia, disse que ia “dar um telefonema”. O que fez, conforme me disse horas depois, meu irmão. Roberto Marinho ligou direto pro Sarney, que disse estar tudo tranqüilo quanto à recondução do Carlos.
15.01.1990
Dois anos depois de estar n’O Globo, finalmente marquei hora com Roberto Marinho para dar-lhe algumas sugestões de como melhorar a parte cultural do jornal. Telefonei num dia, marcou logo para o dia seguinte. Recebeu-me com a mesma cortesia de sempre. Começou, no entanto, se queixando do tratamento que a Folha de São Paulo lhe havia conferido quando de uma coletiva sua a jornalistas estrangeiros. A partir daí começou a falar de seu pai (como tem feito nas várias vezes em que o vi). Falou com emoção, lembrando de como o pai cuidou dele quando ainda menino foi mordido por um cão raivoso. Levava-o três ou quatro vezes por dia ao hospital. Contou como um tal Dias da Rocha enganou seu pai tomando-lhe A Noite (disse que conta isso nas suas memórias).
Depois puxei o assunto para o meu projeto: um suplemento cultural semanal e a criação de uma página de opinião dos leitores. Eu lhe dizia, as pessoas querem “opinião” e não apenas notícia. Ficou entusiasmadíssimo. Pediu para eu falar francamente sobre seu jornal. Confessou que às vezes encontra no Jornal do Brasil as coisas que gosta, mais que em seu próprio jornal. Levantou-se, chamou o João Roberto, pediu-me que lhe expusesse tudo de novo. Este foi gentilíssimo. Disse que há muito também queria uma página de “opiniões”. Elogiou a coisa de um “Globo Cultura”. Ficamos de nos encontrar, almoçar, planejar algo.