Collor, Itamar e FHC

Collor esteve na Biblioteca Nacional. Uma semana de grandes emoções, preparações. Há uns 15 dias, tive que enfrentar uma Assembleia de centenas de funcionários
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
05/05/2014

18.5.1991
Collor esteve na Biblioteca Nacional. Uma semana de grandes emoções, preparações. Há uns 15 dias, tive que enfrentar uma Assembleia de centenas de funcionários, que pressionados pela CUT queriam entrar em greve de duas horas por dia, mais o sábado. Estão pensando em tumultuar a vinda de Collor. Como a BN se tornou a mais visível das instituições da cultura, isto atrai outros interesses. Foi tensa a reunião, mas afastei o perigo de greve e consegui que recebessem o aumento de 75% que estava preso, relativo ao dissídio de 1989.

A recepção de Collor era delicada. Foi o cenário escolhido para ele anunciar a mudança política na área cultural, a primeira visita a um órgão da cultura. Eu havia dito ao Rouanet quando ele assumiu que a única maneira de o presidente mudar sua imagem era fazer um discurso mudando sua política e ir pessoalmente à BN dizer isto e dar, por exemplo, um milhão de dólares para reformas.

Lá estavam autoridades várias, Brizola, governador que aguardou Collor na porta, ao meu lado, conforme o cerimonial. A segurança passou toda a semana ensaiando exaustivamente tudo. Colocaram do lado de fora uma viatura até com CTI, além de Corpo de Bombeiros. Até médico pessoal do presidente veio para as inspeções.

Foi ótima a presença dele. Estava atento, delicado e seguro. Visitamos os grandes armazéns (vários andares de livros) onde pude lhe mostrar a beleza da arquitetura e as obras e os estragos causados pelas chuvas, justificando assim sua visita e a verba de 300 milhões (1 milhão de dólares para os consertos).

Impressionante o carinho e delicadeza de Brizola com Collor. Quem diria? Descendo a escadaria, no final, Brizola ainda lhe disse algo sobre a vaia encomendada pela CUT e PCdoB no passeio defronte: “Não ligue, sr. presidente, tem ali um pessoal da CUT”.

E Collor: “Ah, isso é desenho animado, já conheço”. E desceu tranquilo.

Os jornais deram maior destaque. Idem TV. Só a Folha no lugar de ressaltar a importância política e cultural do evento, preferiu dar foto da manifestação.

21.05.1994
Nesta semana, encontro com Itamar. Estou no Itamaraty, na recepção de reabertura do Palácio enquanto Museu. Diplomatas por todo lado. Gente importante. Diário de Minas me deu as primeiras ideias sobre o texto jornalístico. Eu vinha, na ocasião de Juiz de Fora, sabendo quase nada de jornal.

— Mauro, lhe digo, há uma situação engraçada. Depois que o Itamar virou presidente, não consigo falar com ele. Os ministros morrem de ciúme. O Antonio Houaiss quase se demitiu por isto. Com o Collor, que não conhecia, tive alguns contatos.

— Ah é? deixa comigo, disse ele (que é quem faz os discursos de Itamar).

Lá pelas tantas se aproxima e me diz:

— O presidente está na casa.

Saímos andando. Vejo a uns 30 metros o presidente e sua comitiva passando pelos salões. O cerimonial abrindo passagem para conduzir o presidente a uma sala para receber cumprimentos. Mauro me conduz para a tal sala. Lá três pessoas: o cardeal D. Eugenio Salles, o ex-ministro Saraiva Guerreiro e creio que uma autoridade militar. O presidente chega e em vez de se dirigir às autoridades vem a mim como se a gente se conhecesse desde sempre. A última vez que falei com ele deve ter mais de 30 anos, nos tempos de Juiz de Fora. Pois ele veio, começou a falar sobre o Granbery, Juiz de Fora, o Cine Central, lembrou-se de Carlos (meu irmão), que era seu colega e fazia alguma estripulia trepando nas árvores da avenida Rio Branco (em Juiz de Fora), perguntou por ele , mandou-lhe um abraço, falou que tinha estado com a Aizinha e Renault, que foram colegas de turma com Carlos.

As pessoas olhavam surpresas. Quando me despedi, várias se acercaram de mim. Mauro Durante — secretário da presidência — o mais efusivo, falando também sobre o Cine Central, da minha entrevista nem sei onde e me prometendo mandar uma cópia…

21.01.1995
Fernando Henrique foi à BN acompanhado de Dona Ruth, Weffort (ministro) e Marcelo Alencar (governador). É o segundo presidente que recebemos. O primeiro foi Collor, quando começou a fazer as pazes com a cultura e os intelectuais, sendo Rouanet então secretário de Cultura. Itamar não foi possível. Visita tranquila, relaxada. Dividida em três partes. Peguei-o no passeio público quando chegou pontualmente com Ruth, às 11 horas, mostrei-lhe a fachada refeita, entramos no salão recém-reformado, apresentei-o ao Joaquim Falcão (Fundação Roberto Marinho) e Ricardo Gribel (Banco Real), que possibilitaram a reforma. Falei-lhe, enquanto caminhava, algo sobre a história da biblioteca. Depois fomos ao 4º andar onde o esperava a minha diretoria para uma conversa de quinze minutos, para expor projetos, mostrar-lhe alguns livros. Embora o protocolo mande que ele sente na cabeceira, nos sentamos, com os outros, face a face. Mostrei-lhe o livro que editamos sobre a Feira de Frankfurt; contou que passando pela Alemanha visitou duas das nossas exposições: de arte primitiva e de arte negra.

Ruth sempre simpática, autografando seus livros, ela e FHC e Weffort — para a Seção de Obras Raras. FHC e Ruth (e os paulistas em geral) não conheciam a Biblioteca Nacional. Depois fomos aos grandes armazéns, vários andares de livros, uma visão que deixou a todos encantados, a verdadeira Biblioteca de Babel sonhada por Borges. Marcelo Alencar (governador) perguntando por que não abríamos essa parte aos leitores (coisa tecnicamente impossível). FHC perguntando sobre o peso daqueles andares todos de livros e eu brincando que agora temos uma moeda de peso — o real, piada que ele repetiu para os demais.

Depois de tomar uns sucos, fomos para Seção de Obras Raras onde estavam também “raros” convidados especiais, representando áreas diferentes da cultura: Ana Botafogo, Cacá Diegues, Luiz Schwarz, Sérgio Machado, Ênio Silveira, Tonia Carrero, Mario Machado. Dona Ruth logo descobriu Marina que havia sido sua colega no Conselho das Mulheres nos anos 80. O presidente pôde conhecer o projeto de digitalização da fantástica coleção de mapas antigos, experimentou computadores que executa as partituras das músicas que temos no nosso acervo.

Ficou meia hora mais do que o previsto, tudo tranquilo, ele fazendo um discurso final de agradecimento. Foi importante sua visita. Tem um valor simbólico. Colocar o livro/leitura/bibliotecas no centro da política do governo — essa é minha intenção ao trazer autoridades federais aqui.

Affonso Romano de Sant'Anna

É poeta, cronista e ensaísta. Autor de Que país é este?, entre outros. A coluna Quase diário foi publicada no Rascunho até fevereiro de 2017.

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