09.07.1985
Linda a entrevista de Borges ao Roberto D’Ávila na TV Manchete. Borges chega a cantarolar a Canção do exílio do Gonçalves Dias, sem saber de quem era, dizendo que gravou isso de memória quando passou pelo Brasil em 1914.
Curioso e tocante o seu tom terno, envelhecido, experiente. Essa coisa de o velho olhar o mundo com uma ausência de desejo, ausência de aflição. Isso me faz pensar (tema de crônica) que o velho sente essa doce neblina da maturidade tão invejável, porque não tem mais o desejo. O desejo é que tumultua. Ele mesmo diz: quando se é jovem, a gente quer ser Poe, Baudelaire, etc. Mas o velho já não mais!
Evidentemente há também a situação diferente, daqueles que por serem vencedores, que podem desdenhar ou ironizar a glória, exatamente porque já a têm. Então, como ocorre com o Drummond, pode ironicamente dizer que não é o “maior” nem o “melhor”, exatamente porque já sabe que é assim considerado. Mas para o jovem que escala a glória, isso é difícil, quase impossível.
Lembrou-me muito aquela observação de Bertrand Russel: de que queria ver Salomão dizer “vaidade das vaidades, tudo é vaidade”, quando tinha 20 anos.
Mas é bonito. Apesar de ele mentir dizendo que leu pouco, de repente, cita A ilustre casa de Ramires, de Eça de Queirós, e até o Euclides da Cunha. Diz que gosta de folhear livros e quase não leu nenhum livro inteiro, seja Bertrand Russel ou qualquer outro filósofo. Pura mentira. É preciso dizer ao grande público como o escritor mente. E, ao mesmo tempo, como isso lhe é permitido.
Outro dia li num livrinho do Moacyr Scliar a estória de um menino mentiroso, tão mentiroso que descreveu um avião caindo sobre a cidade, quando todos sabiam que o avião pousara no aeroporto. O poeta é um fingidor.
Belo e pungente aquilo que Borges ia dizendo: “quero morrer todos os dias e não consigo. Gostaria de morrer esta noite. Hoje. Depois de acabar esta entrevista”.
É doce e real isso do indivíduo que sente que sua obra possível está feita. Claro que ela nunca está completa. Ele, o autor, pode ainda fazer um grande gesto histórico: matar um presidente, por exemplo. Mas o essencial, ele sabe, já está feito. E pode morrer.
14.06.1986
Morreu Borges (creio que ontem). O Globo, a Rádio JB, a TVE procuram-me para entrevistas. Creio que farei uma crônica sobre o “Sublime mentiroso”.
04.10.1985
Fui a Porto Alegre para a Feira do Livro com Rubem Braga e Antonio Callado. Palestras, gente nova e conhecida como os Reverbel, Meneghini e Luis Fernando Verissimo, que vi pela primeira vez. No meio de um jantar na casa dos Reverbel, disse a alguém do eu lado: “Vou ali trocar duas palavras com o Verissimo”. Levantei-me, fui até ele e disse:
— Tudo bem?
— Tudo bem.
Trocamos duas palavras e voltei ao meu lugar.
08.06.1986
Morreu o cientista e ecologista Augusto Ruschi. Seu fígado atacado por outras enfermidades, que não o veneno dos sapos dendrobatas, não resistiu. Lindo o seu enterro na reserva florestal, que defendeu com unhas e dentes.
Fiz-lhe uma crônica. Hoje o jornal publica reportagem com o seu antípoda: o madeireiro que já derrubou 30 milhões de árvores (Rainor Grecco) e promete dizimar a Amazônia.
Ao Ruschi, chama de “poeta menor”.
Estive com Rubem Braga numa linda festa de Tônia Carrero, que nos últimos anos tem nos convidado várias vezes. Rubem parece estar próximo da morte. Está meio doente, cansado, chegou sem fôlego, porque o carro do Fernando Sabino quebrou no caminho. O vi (pela TV) chorando no enterro do Ruschi.
Por outro lado, temos participado de algumas conferências, coisa nova para ele, sobretudo no projeto do Arakém Távora para a IBM — “Encontro marcado”.