09.11.1983
Reunião na casa de Miguel Lins, com Franco Montoro. Acabou sendo uma reunião histórica, decisiva para a história do país. Aqui começa a campanha das Diretas. Presentes: Castelinho, Villas-Bôas Corrêa e seu filho Marcos, Otto Lara Resende, José Aparecido, Fernando Pedreira, Zuenir, Severo Gomes, Evandro (editor de O Globo), Irineu Roberto, Cícero Sandroni, Ênio Silveira, Ziraldo, Wilson Figueiredo, etc.
Todos forçando Montoro a liderar a campanha pelas Diretas, já que São Paulo é 50% do PIB e decisivo. Todos enérgicos, obrigando-o a tomar a bandeira. E ele meio pasmo. Como disse a vários colegas, havia ali um “erro essencial de pessoa”. Montoro é honesto, está fazendo uma administração admirável em São Paulo. Mas não tem vôo nacional. Mesmo assim, acabou acatando o empurrão que lhe foi dado. Lá pelas tantas, enquanto falava, o Otto gritou lá do fundo, como um garoto na parte detrás da sala de aula: “Levanta o farol!”. Era uma advertência para que o governador pisasse no acelerador, acendesse o outro farol, assumisse de vez o papel que tinha que assumir naquele momento histórico.
Ele acabou acatando o empurrão. No dia seguinte, o Villas-Bôas e o Castelinho (usando a força do JB) publicam textos dando o fato como consumado, obrigando Montoro a assumir papel de destaque naquele momento político.
14.02.1984
Saiu ontem meu artigo A preguiça do presidente no JB. Hoje foi publicada a resposta da Presidência da República, assinada pelo porta-voz Carlos Átila: O trabalho do presidente.
Susto. Não esperava tanto. Acostumado a não ser ouvido diretamente, essa reação me tocou. Leio a Folha de S. Paulo, O Globo e Tribuna da Imprensa — todos dizendo que o presidente ficou puto, triste e irritado. O artigo do Átila foi escrito cumprindo ordem do presidente. O título já é constrangedor. Por outro lado, algumas pessoas, desde a Dalva Gasparian até o meu irmão, na Petrobrás, dizem que Figueiredo pensou mesmo em renunciar. Outros, ironicamente, dizem que ele deveria me agradecer pelo artigo, pois há um tom amigável. Tancredo, já candidato à Presidência, fez um discurso em Minas dizendo que não se deve atacar Figueiredo.
Agora chama o telefone: é a Veja querendo fazer meu perfil para esta semana, por causa do artigo. O Walter Fontoura, diretor do JB, já me dizia: “Puta merda! Que rolo!”, sem especificar o que estava acontecendo. Mas revelou que o Nascimento Brito me considera o seu melhor colaborador.
Vivo assim um clima de euforia e excitação política. Vou ver King Lear de Shakespeare com nosso Sérgio Britto e vejo ali o drama da sucessão presidencial. A situação fica mais curiosa porque dou uma longa entrevista à Veja — que acabou não saindo — e vou a Brasília para uma reunião do CNPq. Fiquei na dúvida se devia ir ou não, pois todos previam coisa ruim para mim. Ali é a boca do lobo.
A Isto É desta semana, fazendo levantamento da crise, refere-se ao artigo. A Folha de S. Paulo fez dois editoriais (Galeno de Freitas e José Silveira) comentando o incidente com o artigo. A coisa esquenta mais, pois o JB publica no Caderno Especial o que seria a minha resposta ao artigo da presidência: o poema Sobre a atual vergonha de ser brasileiro. Caiu como uma bomba. Repercussão imensa nas praias, bares, clubes, escolas, repartições. Mil telefonemas, telegramas, pessoas que me param nas ruas, no elevador, nos consultórios. Sobretudo me perguntam: “Ainda não foi preso?”. Todos pasmos com a minha coragem, me chamando de Maiakovski, num misto de espanto e temor, querendo fazer o mesmo.
Vicente Barreto, do JB, me previne que surgiram resistências criticando o poema. Mas parece que o Walter Fontoura tem bancado tudo, com uma coragem insólita. Ênio Silveira, da Civilização Brasileira, se entusiasmou e quer lançar quatro poemas em pôsteres.