Em Romeu e Julieta, o personagem shakespeariano, antecipando-se ao debate contemporâneo, diz que “Se a rosa tivesse outro nome, ainda assim teria o mesmo perfume”. E Gertrude Stein acrescenta: “Uma rosa é uma rosa é uma rosa”. Mas não é bem assim, sem querer desmentir as afirmações. Até porque pode ser apenas a opinião do personagem e não do autor. Sabemos que, modernamente, o personagem não é o autor, é apenas o personagem, o que, é claro, provoca muito debate e muitas divergências. E citações equivocadas. Algumas pessoas dizem que a frase “Viver é perigoso” é de Guimarães Rosa. Não é verdade. Quem a diz é Riobaldo, o narrador de Grande sertão: veredas. Este é um conflito permanente dos leitores de ficção. Numa obra de ficção, o narrador é o principal personagem do escritor porque este texto diz respeito a ele e não ao autor. Este é um aspecto delicadíssimo, uma estratégia absolutamente técnica, onde o autor pode se esconder para dizer o que quiser.
Na minha obra, recorro constantemente à mudança de nomes dos personagens para alterar pontos de vista, de cenas, circunstancias e situações de um livro para outro, ou até no mesmo livro. Veja-se, por exemplo, o caso de Maçã agreste e de Minha alma é irmã de Deus. Há muitas cenas aparentemente parecidas, mas alteradas, completamente, pelo ponto de vista de personagens que têm seus nomes mudados. Em Maçã agreste, a personagem chama-se Sofia e em Minha alma atende pelo nome de Camila. Sofia vem do intertexto do meu livro com Quincas Borba, de Machado de Assis, e, por isso mesmo, é pretenciosa e arrogante, embora ingênua. Camila é humilde e romântica, o que muda o ponto de vista. E ponto de vista é comportamento, maneira de viver, enfrentamento. E aí entra outro intertexto entre os meus dois romances e, portanto, com Quincas Borba, como já destaquei. O leitor ou o crítico que desconhecem a técnica literária pode confundir e achar que é repetição, e não é, não é mesmo, é intertexto com alterações significativas de pontos de vista. A cena, à primeira vista, parece a mesma, mas a mudança do nome da personagem altera sua maneira de enfrentar a situação. O segredo está no nome. É neste sentido que o nome é extremamente significativo.
É preciso deixar bem claro: na minha obra o nome do personagem é um destino. Quando decido pelo nome do personagem, uma sorte, e em consequência, uma forma de viver, um jeito de se comportar e, assim, uma maneira de enfrentar a vida, tudo isso ligado ao ritmo existencial. Dessa forma tem início a técnica que chamo de Pulsação Narrativa.
Lembro aqui o ensinamento de Ariano Suassuna: “o ritmo é inerente ao ser humano, com as pulsações do sangue, e é, também, inerente ao próprio mundo”. Mudando o nome do personagem, é natural que mude o seu ritmo, conforme a mudança do destino e da sorte.
Escreve Autran Dourado em Uma poética de romance: “São nomes verdadeiros, sempre; nunca inventados ou extravagantes. Nomes comuns e existentes, em que se buscam vários níveis de significação e nesse sentido são criados. […] Vários níveis que se aprofundam mais e mais, vagarosamente contando sempre com a comunicação autor-leitor. Quanto mais rico em vivência–sensibilidade, mais verá o leitor. Às vezes muito mais que o autor. Os nomes etimológicos são buscados conscientemente. E assim são usados. Há, porém, nomes destituídos de sentido simbólico, pelo menos no nível da consciência do autor ao escrever”.
Por tudo isso percebe-se que um nome de personagem não pode se apenas um nome como outro qualquer. Uma cena até pode parecer com a mesma cena, mas sofre profunda modificação quando o nome do personagem tem uma mudança.
Além do mais, é sempre importante destacar que o que um narrador ou um personagem dizem não representa a opinião do autor.
Não é de Tolstói a frase: “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”. A frase é do narrador. Numa obra de ficção, o autor não diz nada.