O folheto de cordel tem uma influência fundamental e definitiva na literatura erudita brasileira. Para Ariano Suassuna, o cordel é a base do Movimento Armorial devido a todos os elementos que oferece à criação artística: nas capas, por exemplo, originando a xilogravura — desenho sobre madeira cortada com um canivete — possibilitando figuras e imagens ásperas e fortes — com títulos longos e mágicos: O amor de Genoveva por Pedro — entre o punhal e o pecado.
Além disso, ou principalmente, há o texto escrito que circula entre o poema e a prosa, sempre rimado. Por isso é que o cordel mantém o vínculo com a narrativa tradicional, desde a Epopeia, por assim dizer, como herança de Homero. Alguns dados são inquestionáveis: a) narrativa plana, sem aprofundamento psicológico, uma das características do romance burguês, desde Cervantes, por exemplo, embora haja debates e divergências sobre o início do romance burguês; b) poemas com rimas e forma tradicional com ritmo; c) personagens heroicos com fabulação mágica sem compromisso com a documentação real.
Dessa forma, o folheto de cordel oferece três caminhos para a realização de uma cultura erudita com base no popular: a) artes plásticas; b) literatura, tanto na poesia quanto na prosa e c) arquitetura, através das xilogravuras; com sugestões para ruas e casas.
Não é, por acaso, portanto, que Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta é dividido em folhetos, substituindo os capítulos convencionais, sendo que cada folheto conta uma história inteira e não apenas um episódio, como acontece tradicionalmente.
José Lins do Rego também toma de empréstimo a estrutura do folheto para escrever dois dos seus romances mais notáveis: Cangaceiros e Pedra bonita, conforme próprio Ariano Suassuna destaca no prefácio do romance Sem lei nem rei, do pernambucano Maximiano Campos, em que encontrou também forte influência do cordel.
Ainda em Pernambuco, o escritor Hermilo Borba Filho escreveu a tetralogia Um cavaleiro da segunda decadência, cujo segundo volume chama-se A porteira do mundo, título de um famoso folheto, e que faz referência ao órgão sexual da mulher.
Tudo isso, sem esquecer, o consagrado e belo poema clássico-nordestino Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, escrito a partir do ponto de vista de violeiros com profundo apoio no folheto produzido na região. Os personagens são originados no cordel, mas não são documentais, que é próprio do Movimento Regionalista.
Recentemente, a poeta pernambucana Cida Pedrosa publicou o livro claranã, pela editora carioca Confraria do Vento, com profunda e declarada influência do cordelismo. O livro de Cida é semifinalista do prêmio Oceanos e trabalha com mote de vários escritores pernambucanos. Mas o que é um mote? O mote é um tema ou um motivo que um poeta oferece a outro para desenvolver um poema. Exemplo: “Mergulhei pra ver Narciso/ No espelho do teu lago”… oferecido a ela pelos poetas Anacleto Carvalho e Ésio Rafael. Ela escreveu assim: “O ruflar da poesia — espraia-se no caminho; pega os versos, traz o vinho/ perfuma-os com maresia/ a plateia se extasia/ eu, no meu canto, sufrago/ com a presteza dum mago/ trazendo na boca o rio/ Mergulhei pra ver Narciso/ No espelho do teu lago”.
Para explicar o universo poético de Cida Pedrosa, escreve Bráulio Tavares no prefácio: “Cida Pedrosa teve com a poesia, como tantos de nós, essa relação epidérmica e total, que ela conta de maneira tocante nas palavras de introdução a sua coletânea de poemas”.
E acrescenta: “As histórias recitadas, as parlendas das brincadeiras de crianças, as adivinhações em versos, os travalínguas. As canções sem dono como a do estudante e do povão, que nos fazia chorar de tristeza e hoje nos fazem conter o choro de saudade. E em volta de tudo, encorpando tudo, dando núcleo e atração gravitacional a essa paixão atávica pelo verso, as duas vigas mestras da poesia nordestina: a literatura de cordel e a cantoria de viola”.