Munido dos livros Madame Bovary, de Gustave Flaubert, Orgia perpétua, reflexões de Mario Vargas Llosa sobre Madame Bovary, Aspectos do romance, de E. M. Forster, Uma poética do romance, de Autran Dourado, A poética, de Aristóteles, e do meu romance Maçã agreste, que acabara de escrever com enormes cuidados técnicos, para estudo da prática romanesca, dei início no segundo semestre de 1988 à minha oficina de criação literária, na Livraria Síntese, no Centro do Recife.
Abertas as inscrições, mais de trinta alunos se inscreveram, entre eles Marcelino Freire e Maria Pereira, em quem apostei, além de Eugenia Menezes e Wilson Freire. Os livros foram suficientes para realizar o meu trabalho, embora tenha sentido falta de uma bibliografia mais ampla. Maçã agreste me ajudou no estudo da prática. Afinal, oficina é o estudo da prática mesmo.
Maçã agreste mostra as minhas preocupações com o romance, ou com a ficção em geral, e as primeiras cenas fotografa os meus encontros, na verdade, aulas, com Ariano Suassuna, na sua residência no bairro de Casa Forte, com a retirada dos nomes próprios. O que me interessava era registrar aqueles momentos de conversa em torno das minhas preocupações com a escrita desde criança, em Salgueiro.
Assim:
Ainda estava sentado na cadeira ouvindo o amigo falar. Nem terminara a primeira conversa. E as conversas entre eles eram cíclicas: indo e vindo, decidindo o destino do mundo, sarando as chagas do país ou fazendo confissões íntimas, revelações sombrias cortadas por narrativas cômicas. Indo e vindo. Já não tinha mais dúvidas: as cores abjetas do mundo aproximavam-se dele.
A partir destas conversas com Ariano, sobretudo a respeito de sua Iniciação à Estética, começou a necessidade de maiores voos, em que eu pudesse estabelecer um projeto de criação literária: quais os movimentos que o autor percorre da ideia ao livro? Como isso se dá? Ou tudo é espontâneo? Basta sentar e começar a escrever? Como posso explicar isso de modo sensato e claro?
Em 1996, ainda presidente da Fundarpe (Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco), retomei a Oficina na UBE (União Brasileira de Escritores) e desta vez decidi escrever apostilas na ausência de uma bibliografia especializada no Brasil — havia pouquíssimos livros sobre a prática literária, apesar dos textos desenvolvidos na Europa e nos Estados Unidos.
E, é claro, escrevi dezenas de apostilas, sempre baseado na minha experiência, autor de dez livros. Em 2005, o editor Paulo Roberto Pires, da Ediouro, me pediu um livro que abordasse a técnica literária. Trabalhei intensamente durante seis meses na escrita do livro, aproveitando as apostilas e anotações. Procurei ser didático e muito objetivo. Por isso, estabeleci as fases da criação: Impulso, Intuição, Técnica e Pulsação narrativa. Tudo isso é debatido nas aulas da Oficina.
Discuti muito com Paulo Roberto Pires se o livro seria um Manual ou um Guia para futuros escritores, até nos decidirmos por Guia, por preconceito pela palavra Manual. Preconceito, aliás, que vem de fora, de críticos e de leitores que não admitem estudos sobre a criação literária.
Pronto, o livro chamou-se Os segredos da ficção — Um guia na arte de escrever narrativas – e foi, imediatamente, objeto de um rico debate sobre criação literária em todo o País e recebi críticas duríssimas e, em alguns casos, sobrou até para minha obra ficcional. Mas marcou, definitivamente, a literatura brasileira.
Agora, surgem acusações de erro grave na construção de uma estética da criação literária, sobretudo quando analisada à luz dos estudos de György Lukács. Nunca pensei nisso e, como venho dizendo sempre, me empenhei em refletir sobre as fases de criação literária, embora reconheça o direto de análise em qualquer nível.
Fases da criação literária:
1) Impulso – Movimento inicial, que surge já na ideia, quando o escritor pensa na história. Pensei em usar o termo Pulsão, mas ele te um fim específico na Psicanálise, mas desisti para não criar conflito científico. Evitei também o vocábulo Vontade, para não perecer muito ingênuo.
2) Intuição – Esta é uma fase que nasce simultaneamente com o Impulso, embora se manifeste depois de escritas as primeiras palavras e o escritor descobre que precisa melhorar ou reescrever. Se o escritor continuar em dúvida, as imprecisões aumentam.
3) Técnica – Emtão é hora de optar pelas técnicas já conhecidas em outros manuais ou pelo costume estilístico, reveladas em outros textos ou em outras obras. Agora, vale recorrer à gramática ou até ao breve manual de estilos que apresentam nas páginas finais.
4) Pulsação narrativa – Aqui entra a verdadeira revolução do guia ou manual. O escritor procura as suas melhores qualidades narrativas e busca dar um toque pessoal ao texto em três movimentos: a) pulsação do personagem; b) pulsação da cena; c) pulsação do leitor.
Daí por que nunca pensei numa Estética, mas nos movimentos da criação literária.