A expressão “literatura engajada” ainda não existia quando Antonio Callado publicou Assunção de Salviano, pela José Olympio, em 1954, um romance exemplarmente bem escrito com um objetivo bem claro: colocar em debate as injustiças sociais do País e a atuação da Igreja Católica e do Partido Comunista.
Foi criada, todavia, por Jean-Paul Sartre para vincular a literatura de ficção, sobretudo, à realidade existencial, compromissada com o tormento humano, cercado de injustiças e de dores. Era o princípio dos anos 1960, quando a humanidade se deparou entre o filosófico e o real, obrigando-se a combater a origem do mal, que estaria na distribuição de riqueza e no aprofundamento da pobreza.
Mesmo assim, o centro deste debate já estava no programa do Partido Comunista que, direta e indiretamente, é protagonista do romance já clássico do fluminense Antonio Callado. Por isso, pode-se dizer que o escritor se antecipa a este tipo de literatura que se transformou numa estética, embora a expressão seja absolutamente rejeitada pelo engajamento literário que, de certa forma, redirecionou a criação.
Exemplo de literatura engajada no romance Assunção para Salviano:
E, ao jogar a guimba do cigarro no barro úmido lá embaixo, Júlio Salgado imaginou que a atirava a um rio de álcool, que o São Francisco começara a flambar. O Rio da Unidade Nacional em fogo incendiaria a caatinga dos dois lados e só poderia ser apagado no Amazonas e no rio da Prata. Aliás, quem sabe, do Prata bem podia subir ao Panamá. Já então cheia de força, a conflagração faria arder a península centro-americana, fulminaria jubilosa o México de Rivera e de Siqueros. E, então, que é que o pequenino Grande Rio iria apagar?….
Júlio, ao terminar o seu sonho, viu de novo a lama do São Francisco onde começava a desaparecer, encharcada, a guimba do cigarro e pensou, enojado: “País de tabatinga mole…”
Através da obra engajada, a literatura brasileira conheceu uma reformulação completa, até porque experimentava até o começo dos anos 1960 a influência muito forte do regionalismo e do modernismo, além de um certo existencialismo que vinha do romance carioca, com Lúcio Cardoso e Octávio de Farias, sobretudo. Colocando em debate as questões morais, éticas e religiosas da família brasileira.
A literatura engajada, portanto, agitou o País, sobretudo porque o mundo era sacudido por revoluções sociopolíticas que resultaram no maio de 1968, enfrentando, ainda, a guerra fria entre União Soviética e Estados Unidos. Enfim, entre capitalismo e comunismo até o início da década de 1990, quando caiu o muro de Berlim.
No Brasil, o romance engajado tomou vulto com as publicações da Tetralogia da segunda decadência, do pernambucano Hermilo Borba Filho, reunindo os romance Margem da lembrança, Porteira do mundo, Cavalo da noite e Deus no pasto, além dos livros de contos, entre eles O general está pintando.
Nesses livros, Hermilo enfrenta, e de certa forma reconta, a história de Pernambuco e do Brasil do ponto de vista materialista, destacando, sobretudo, a questão social por meio da formação das famílias. Aí, Hermilo coloca-se como o narrador, chamando para si todas as consequências da narrativa.
No romance Deus no pasto está em debate, mais ainda, a ditadura que comandou o país com mão de ferro entre 1964 e 1986, desde Castello Branco até João Batista Figueiredo. Lembrando que não se trata de uma reportagem ou de um documentário, mas de romances com todas as técnicas ficcionais.