Questão imensamente polêmica é a da linguagem da narrativa na ficção, assunto sem fim até que se encontre uma solução entre línguas, mas sempre adiada. Entre línguas? Sim, entre a língua portuguesa e a língua brasileira, nem sempre distintas devido a uma gramática que se impõe como absoluta, embora na prática nem sempre seja verdade. Porque a nossa língua está sempre em dois planos. Uma escrita, que atende aos interesses de um mundo conservador e estático; e a língua falada, sempre revolucionária, que reúne a fala das ruas, da sociedade, do povo, mesmo quando não reconhecida e oficializada.
Não se pode cobrar, por exemplo, a omissão dos intelectuais. Desde o século 19, escritores do porte de José de Alencar reivindicaram o direito de a narrativa brasileira ter a sua própria linguagem sem a imitação irregular da gramática tradicional, observando aquilo que é falado pelo povo. Por isso, seria preciso recorrer até mesmo às nossas metáforas, sem a cópia de outras linguagens. Os cabelos de Iracema eram negros como as penas da graúna. A virgem dos lábios de mel. Assim, a linguagem nacional com elementos da cultura nacional dando-nos incrível autonomia.
Por tudo isso é que Lima Barreto foi chamado, muitas vezes, de desleixado. E, outras tantas vezes, de analfabeto. Ocorre que o escritor estava sempre no front, estava na frente, como se diz agora, lutando por mudanças gramaticais decisivas, recusando-se a usar uma gramática que não é usada nem na fala nem na escrita, embora glorificada na mesa dos conservadores inúteis.
Assim, reconhecendo a rebelião linguística de Lima Barreto é que Francisco de Assis Barreto escreve:
É admirável o acervo de palavras, expressões e modismos de inspiração nitidamente brasileira com que Lima Barreto enriquece o português do Brasil, mas isso não é tudo. Penso que Antonio Houaiss coloca admiravelmente a questão, quando observa: o escritor poderá ser reputado de “incorreto”, do ponto de vista “estilístico” — afinal de contas, o conceito de correção, na nossa gramática, mandarina e bizantina, pode apresentar tais e tantos planos de julgamento, que poucos, pouquíssimos escritores poderão enfrentar todas as sanções de todos os planos; e afinal de contas, ainda, o problema do “bom gosto” é infinitamente flutuante no espaço e no tempo, e no mesmo espaço e no mesmo tempo não parecendo construir uma questão modalmente estética.
Não por menos, Mário de Andrade fez anotações para uma possível gramatiquinha da fala brasileira sem regras fixas ou maior atenção para o ritmo da frase, do parágrafo, do texto, enfim. Destacava, entre outras rebeliões, herança milionária dos chamados gramaticais do povo brasileiro.
Na verdade, motivo de muito debate e de muita discórdia, embora seja assunto de muita reflexão na vida acadêmica.