Este é, sem dúvida, um assunto extremamente polêmico. Sobretudo quando não bem compreendido: desde adolescente quando comecei a escrever. O que quer dizer: quando comecei a me enfeitiçar com as palavras e a me envolver com seu sopro mágico. Em princípio, aprendi com os professores de língua portuguesa que é preciso escrever gramaticalmente sempre. Mas veio Mário de Andrade e, do alto de sua sabedoria, ensinou-me que é preciso aproveitar “o rico erro da fala do povo”.
Em conversas, mais tarde, já em princípio de carreira, com Ariano Suassuna e Maximiano Campos, escritores que me ensinaram os primeiros segredos da ficção, aprendi que “escrever certo” é uma coisa e “escrever bem” é muito diferente. Ao criador é dado o direito de seguir muitos caminhos e escolher “linhas tortas”, no dizer de Graciliano Ramos, ele próprio um conservador gramatical. Mas o narrador de São Bernardo reclama do jornalista Gondim, responsável pela linguagem do texto, que ficou absolutamente tradicionalista, cumprindo regra por regra, inclusive na fala dos personagens. Diz Paulo Honório:
— Você escangalhou o troço, Gondim.
E passa a demonstrar que literatura — ou ficção — não se faz apenas com rigores rígidos da gramática, mas com a singeleza do erro popular, com a bobagem e a ingenuidade das conversas nas caladas nos bares, nas arquibancadas. Enfim, na sociedade. A língua falada também tem sua importância. O que não significa que o escritor tem liberdade para desconhecer a gramática e desrespeitá-la. Afinal, temos uma língua oficial. Mesmo que os modernistas tenham lutado, bravamente, para romper com este padrão, que chamaremos de luso. Tudo porque umas das premissas do modernismo era o afastamento significativo da literatura portuguesa, de forma a criar um universo verdadeiramente brasileiro. Uma literatura única e soberana.
Uma literatura, sobretudo desvinculada de oficialismos. Mesmo o oficialismo da rima e da métrica, fechada nos seus sonetos, nas suas versificações forçadas, no parnasianismo, no simbolismo. Por isso, a importância do pernambucano Manuel Bandeira com Os sapos, poema que recitou na noite de lançamento do modernismo no Teatro Municipal de São Paulo, em 1922.
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
— “Meu pai foi à guerra!”
— “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”.
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano-aguado,
Diz: — “Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! Nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento de joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
E segue este poema revolucionário que mudou toda a poesia brasileira, dando completa e absoluta liberdade ao poeta brasileiro, desobrigado de rimas e métricas, sem imagens trabalhadas, conservadoras e tradicionalistas, sobretudo distanciada completamente da tradição lusa, que era o principal objetivo dos modernistas. Mas Manuel Bandeira não foi compreendido nem seguido pelos escritores brasileiros que continuaram escrevendo tradicionalmente.
A revolução literária de Bandeia possibilitou, entre outras coisas, o distanciamento da língua portuguesa oficial, daí nascendo a possibilidade do erro gramatical como técnica literária. No livro Os segredos da ficção, cito o começo do conto Pomba enamorada, de Lygia Fagundes Telles, como exemplo:
Encontrou-o pela primeira vez quando foi coroada princesa no Baile da Primavera e assim que o coração deu aquele tranco e o olho ficou cheio d’água pensou: acho que vou amar ele para sempre.
Observe-se que “vou amar ele” sugere um erro gramatical. Não é. Lygia optou. Com clareza, pela voz da personagem e, portanto, pela voz social. O já conhecido erro gostoso do povo, conforme Mário de Andrade.