Drummond de roupa nova

Novas edições reúnem a obra poética de Drummond em volumes temáticos, com ensaios que ampliam a leitura e revelam novas dimensões do poeta
Carlos Drummond de Andrade. Foto: Cezar Loureiro
01/11/2025

Mas que dor é homem?
Homem como pode
descobrir que dói?

Há alma no homem?
E quem pôs na alma
algo que a destrói?

Sempre imaginei que estas estrofes do poema Especulações em torno da palavra homem, de Carlos Drummond de Andrade, são a epígrafe da obra deste que é, sem favor, o poeta mais importante do Brasil, pela qualidade e pela reflexão — unindo, dessa maneira, a forma e o conteúdo em poemas que questionam a missão do homem sob o dorso terrível da terra.
Neste artigo, saúdo a publicação de sua extensa obra em volumes isolados pela Record, chegando ao leitor de forma simplificada, o que enriquece o exame e a reflexão, tornando-a popular e facilitando o debate nas escolas e clubes de leitura, na companhia de especialistas e de poetas consagrados, como a pernambucana Micheliny Verunschk, que destaca, com sua sintonia fina, o olhar ecológico do escritor. Coube a ela o posfácio de Discurso da primavera e algumas sombras, onde se encontra o poema Águas e mágoas do Rio São Francisco, em que está escrito:

Está secando o velho Chico
Está mirrando, está morrendo.

Nesse longo poema, Drummond já vislumbra, no Brasil, a ofensa e o desrespeito à natureza — considerando, sobretudo, as queimadas que devoram, em escandalosas línguas de fogo, nossas matas — como se tivesse sido escrito agora. Já se pode ver aí também o cronista sempre celebrado, sobretudo na leitura de Flora Süssekind, em ensaio já famoso, a desmentir, principalmente, o poeta Décio Pignatari, que o acusou de falta de originalidade e de comprometimento ideológico. Aliás, a acusação de Pignatari é tão escandalosa que uma das marcas políticas de Miguel Arraes vem de um verso drummondiano, ainda em sua posse como prefeito do Recife: Eu tenho duas mãos e o sentimento do mundo.
O leitor pode estar certo de que encontrará, nos volumes já publicados, além da fenomenal obra de Drummond — que é, evidentemente, o objeto central da coleção —, estudos assinados por Luís Carlos Prestes e Míriam Leitão, sem esquecer o trabalho já citado de Micheliny, com sua juventude e notável sensibilidade analítica, tanto como intelectual quanto admiradora.
Chamo a atenção ainda para a publicação de uma carta — mais que uma carta, um documento vigoroso e firme — de Luís Carlos Prestes ao poeta, com resposta imediata publicada no volume O observador no escritório, acompanhada da emoção de Míriam Leitão:

Uma coisa é ler um livro de poesias ou crônicas de Carlos Drummond de Andrade. Outra, bem diferente, é conviver com ele. Este livro, O observador no escritório, deixa a pessoa que o lê na agradável posição de ouvir os pensamentos e participar do cotidiano do poeta.

No texto, Míriam detalha miudezas e ilumina documentos necessários e urgentes. Destaque-se, ainda, que o prefácio da jornalista é também um documento muito importante, considerando sua notável participação política na mídia brasileira.
Em A paixão medida, a atriz Maria Fernanda Cândido escreve:

Os poemas deste livro me deixaram alumbrada. Neles estão, passados e presentes, elementos do legado histórico e artístico da humanidade. Num diálogo que nunca cessa, os artistas da escrita vão confirmando a essência da frase: “Longa é a arte, tão breve é a vida”. Lúcida e encantada, reencontro duas riquezas: Minas e o vocábulo. Passado e presente se fundem e sigo juntando as duas pontas da minha própria vida, recolhendo as jabuticabas, a madeira, o alumínio, os substantivos e os sons.

Raimundo Carrero

É escritor. Autor, entre outros, de Seria uma noite sombria Minha alma é irmã de Deus. 

Rascunho