Uma das características mais fortes da Estética Popular Brasileira, de Jorge Amado, é fazer os protagonistas de seus romances mais importantes sair da ficção para a luta real da sociedade, mesmo que seja apenas uma estratégica literária estabelecida pelo compromisso que o autor selou desde cedo com a ideologia que norteou toda sua obra.
É quase uma densa reportagem sobre movimentos de sublevação na Bahia, onde a maioria negra e pobre se lança em busca de justiça social. E para não deixar isso apenas na ficção, Jorge Amado registrou também o real, de forma a dar veracidade aos seus personagens.
Assim ocorre com Antônio Balduíno, no principal romance do autor (Jubiabá), saindo das páginas do livro para liderar greves em Salvador, mesmo que aí tenha muito de ficção. Mas este é um detalhe decisivo para que se possa compreender perfeitamente a estética deste autor revolucionário, que mudou inteiramente o roteiro da literatura brasileira. Vejamos um dos trechos finais do romance:
Antônio Balduíno passara a noite descarregando um navio sueco que trazia material para a estrada de ferro e que nas noites seguintes seria abarrotado de cacau. Carregava um molho pesado de ferro quando, ao assar perto de Severino, um mulato magricela, este lhe disse:
— A greve do pessoal dos bondes rebenta hoje…
Aquela greve era esperada há muito. Por diversas vezes o pessoal da companhia que dominava a luz, o telefone e os bondes da cidade tentara se levantar em parede, pedindo aumento de salário…
Em Capitães da areia, o fenômeno volta a acontecer quando Pedro Bala torna-se membro do Partido Comunista, “perseguido pela polícia de cinco estados como organizador de greves, como dirigente de partidos ilegais, líder de sua classe, preso numa colônia…”
Em Terras do sem-fim — que junto com Jubiabá e Capitães da areia forma o núcleo político da obra de Jorge Amado, onde se revela a Estética Popular Brasileira, responsável, por assim dizer, pelo romance de 30 — acontece o mesmo — considerando-se, sobretudo, que a família Badaró tem, na verdade, uma presença muito forte na Bahia.
Há aqui, porém, uma mudança de rota na Estética que estamos examinando, os protagonistas são desta família aristocrática baiana e não exatamente proletários e humilhados, como ocorre nos livros anteriores. Esses personagens, no entanto, foram tão bem retratados e tão bem representados em suas injustiças e agressões que o escritor sofreu diversas ameaças de morte. Mas os jagunços, sempre marginalizados, vindos dos miseráveis e humilhados, usados pelo coronéis e ricos, são personagens decisivos.
Não é por acaso que Terras do sem fim é visto como um dos livros mais bem escritos do autor, mesmo que o princípio lembre muito A educação sentimental, de Flaubert, com a técnica do olhar do personagem, recurso que o escritor francês criou e usou com maestria.
O apito do navio era como um lamento e cortou o crepúsculo que cobria a cidade. O capitão João Magalhães encostou-se na amurada e viu o casario de construção antiga, as torres da igreja, os telhados negros, ruas calçadas de pedras enormes. Seu olhar abrangia a variedade de telhados, porém da rua só via um pequeno trecho onde não passava ninguém.
Na verdade, uma abertura bem diferente daquela que se verifica nos livros anteriores. Aqui, Jorge Amado faz uma volta narrativa para, só depois, entrar direto no assunto a ser tratado. Em Capitães da areia, o narrador pega na mão do leitor e faz com que ele entre no livro em companhia de João Grandão, que nos apresenta o trapiche, residência dos meninos e demais personagens. Sem esquecer a nota de Zélia Gattai, alertando que certa vez Jorge Amado dormiu ali para conhecer melhor o trapiche. Portanto, uma narrativa realista, que reforça o que estamos dizendo sobre a Estética Popular Brasileira.