Sempre tive certa implicância com os chamados romances políticos. Evidentemente, há muitos bons livros que podem se encaixar nesse perfil sem, no entanto, estarem circunscritos à dimensão datável de suas opiniões sociológicas ou partidárias.
Um grande exemplo disso, no Brasil, é a obra de Antônio Callado. Outro exemplo, pelo menos para mim, é de Josué Guimarães.
Fora do Rio Grande do Sul, Josué Guimarães ainda não alcançou o reconhecimento que merece. Foi um escritor de grande versatilidade, explorando o conto, a novela, o romance, a prosa infantil e o teatro.
Alguns de seus livros são admiráveis. Duas novelas suas são obras-primas autênticas: Depois do último trem, texto de grande tensão psicológica, que narra a iminente inundação de uma cidade por uma represa; e Enquanto a noite não chega, relato de comovente lirismo, que trata dos últimos três habitantes de um vilarejo abandonado, quase fantasma — um casal de velhos e o coveiro, que espera a morte dos primeiros para ir embora.
Josué Guimarães escreveu também uma obra muito celebrada: Camilo Mortágua, romance de personagem, desses que traçam o roteiro de uma vida associada a um vasto painel de época.
E uma deliciosa e despretensiosa sátira à hipocrisia moral da classe média: Dona Anja, cuja ação se passa num bordel, em 1975, na noite de votação do dispositivo legal que instituiu o divórcio.
Não sei o que diria desse livro hoje, mas na ocasião achei o texto engraçadíssimo. E foi logo depois dessa leitura que peguei outro volume, assinado por Josué, que estava destinado a marcar minha história de leitor: Os tambores silenciosos.
Trata-se de um romance fantástico, escrito sob a influência do chamado realismo mágico hispano-americano. Isso, é claro, não diminui seu valor.
Como Camilo Mortágua e Dona Anja, é também um texto fortemente político, uma crítica contundente à censura imposta pelos governos militares após o golpe de 1964.
Uma pequena cidade imaginária do interior gaúcho vive uma situação de censura extrema: o prefeito tinha cortado toda a comunicação com as demais cidades do país e confiscava todos os jornais que lá chegavam.
Enquanto isso, sete velhas irmãs disputam o único binóculo da casa para ver o que se passa na vizinhança — numa alusão conjunta às Parcas, vigilantes do destino humano, e às Górgonas, que tinham um único olho, usado por uma de cada vez.
Sob os olhares dessas sete velhas, as personagens desfilam: a mulher do capitão, que é amante do sargento; o poeta, preso por ter em casa um livro de Jorge Amado; o prefeito, obcecado com as comemorações do Dia da Independência.
O livro culmina com uma estranha alegoria: paulatinamente, a cidade é assolada por uma misteriosa invasão de pássaros artificiais. A descoberta do responsável pelo fenômeno — que atrapalha a realização da festa e impede que os tambores toquem — é o ponto alto da trama.
Prefiro que o leitor faça uma interpretação pessoal. Posso apenas confessar que abri o romance no início dos anos 1980 e fechei a última página com lágrimas nos olhos.
Os tambores silenciosos foram publicados em 1976, pela Rio Gráfica. Teve outras edições, da Globo e da L&PM, mais fáceis de encontrar. Bem garimpado, um exemplar desses pode custar em torno de R$ 7.