Os sete enforcados

Em meados da década de 1980, a editora Rocco incumbiu a Fernando Sabino a direção da série Novelas imortais, destinada a fazer circular no mercado brasileiro algumas obras-primas da ficção curta internacional.
Leonid Andreiev, autor de “Os sete enforcados”
01/01/2014

Em meados da década de 1980, a editora Rocco incumbiu a Fernando Sabino a direção da série Novelas imortais, destinada a fazer circular no mercado brasileiro algumas obras-primas da ficção curta internacional.

Sabino, com bom senso e inteligência, não enveredou pela complicada discussão do conceito de novela; e reuniu na coleção algumas peças tradicionalmente classificadas como contos, em volumes que oscilam entre 80 e 150 páginas, pouco mais ou menos. O critério utilizado, além da extensão mínima que permitisse uma publicação independente, foi essencialmente estético.

Nesse sentido, as novelas escolhidas merecem mesmo o qualificativo de imortais. Uma das mais interessantes é Os sete enforcados, de Leonid Andreiev, notável escritor russo que foi contemporâneo de Gorki e, de certa forma, o seu opositor literário.

Os sete enforcados narra os últimos momentos de sete condenados à forca: cinco terroristas (mentores de um atentado que não chegou a se realizar) e dois camponeses acusados de homicídio. Embora o próprio Andreiev tenha considerado esse texto um protesto contra a pena de morte e os regimes totalitários, seu valor reside exclusivamente na caracterização das personagens, particularmente na dos camponeses Yanson (que não queria morrer e chegou a não acreditar na condenação) e Tziganok (que confessava os crimes com orgulho e reputou justíssima a sentença).

Outro destaque da série é Bartleby, o escriturário, do norte-americano Herman Melville, famoso autor de Moby Dick. Bartleby é uma das personagens mais absurdas e interessantes da literatura universal. Empregado num escritório de advocacia, seu trabalho consiste em copiar documentos. Quando o patrão pede a ele a execução de uma tarefa diferente, Bartleby responde que “prefere não fazer”. À medida que a narrativa evolui, o leitor vai se desconcertando com a reação do estranho escriturário, que também “prefere” não deixar o escritório depois do expediente, até se recusar a abandonar o imóvel, quando a firma muda de endereço.

A fera na selva, do norte-americano Henry James, é outra obra-prima digna de nota. James foi certamente um dos maiores contista da língua inglesa e esta novela é uma de suas maiores realizações. O texto conta a história de um amor não realizado entre um homem e uma mulher. O argumento parece banal, mas a descrição sutil das emoções e a tensão que conduz o texto a um final surpreendente fazem dele uma fusão única de romance de amor e ficção policial — em que o grande criminoso, a fera na selva, só se revela na última página.

Ainda no âmbito da língua inglesa, temos O clube dos suicidas, de Robert Louis Stevenson — autor do célebre O médico e o monstro. “O clube dos suicidas” é o título da primeira parte de As novas mil e uma noites (traduzidas aqui pela Editora Três), uma espécie de recriação do clássico árabe, com a mesma técnica de narrativas encadeadas, todas de cunho insólito e extraordinário. Trata-se efetivamente de um clube de suicidas, cuja singularidade é a de seus integrantes ainda não terem tido coragem de consumar o ato a que se propõem.

A série conta ainda com novelas de Flaubert (Um coração singelo, às vezes traduzido como Um coração simples), Tchekhov (O monge negro), Cervantes (A espanhola inglesa), Hoffmann (O homem da areia) e outros grandes nomes. Não é muito difícil garimpar um ou outro volume da coleção. O preço justo deve ficar em torno de R$ 10.

Alberto Mussa

Nasceu no Rio de Janeiro, em 1961. É autor do romance O senhor do lado esquerdo, vencedor do Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional e eleito pela Academia Brasileira de Letras o melhor livro de ficção publicado em 2011.

Rascunho