Leitor construtor

Entrevista com Marcelo Almeida
Marcelo Almeida: “A leitura me liberta e me afasta do que não é importante no dia-a-dia, do que não é essencial ao meu crescimento individual.”
01/11/2009

O deputado federal Marcelo Almeida nasceu em Curitiba (PR), em 1966. Filho do empresário Cecílio do Rego Almeida (morto em 2008), dono do grupo empresarial CR Almeida, Marcelo se formou em Engenharia Civil, pela PUC-PR, mas preferiu se dedicar à vida pública. Por duas vezes, foi eleito vereador de Curitiba, em 1992 e 2000. Também já atuou como diretor geral do Departamento de Trânsito do Paraná (Detran-PR) e secretário estadual de Obras Públicas do Paraná, durante a gestão do governador Roberto Requião. Assumiu o cargo de deputado federal pelo PMDB paranaense em 2008, como suplente do ministro da Agricultura Reinhold Stephanes. Líder da chamada Bancada do Livro, Almeida possui especialização em e-Gov (Centro Universitário de Ciências Gerenciais/UNA-MG) e extensão universitária em Administração de Empresas (PUC-PR) e Empreendedorismo Cívico (Instituto Paranaense de Desenvolvimento). Em Curitiba, o deputado comanda dois grupos de leitura: o Encontro de Contos (EnContos) e o Conversa entre Amigos.

• Na infância, qual foi seu primeiro contato marcante com a palavra escrita?
Foi na pré-escola, com o livro O barquinho amarelo (de Iêda Dias da Silva). Aprendi a ler com essa obra e ainda lembro dos três amigos da história: o Marcelo, como eu, a Rosinha e o Marquinho. Guardo esse livro até hoje, uma publicação da Editora Vigília, de 1971.

• De que forma a literatura surgiu na sua vida?
Não sei precisar um momento exato, mas sei que meus pais e avós foram pessoas que tiveram muita influência nesse processo de desenvolvimento do gosto pela leitura na minha infância e na minha adolescência. Já moço, com mais de 20 anos, quem fez com que eu me apaixonasse pelos livros foi o saudoso Jamil Snege, o Turco.

• Que espaço a literatura ocupa no seu dia-a-dia e na sua forma de se relacionar com a política?
Os livros e a leitura ocupam boa parte do meu tempo e já tomaram até minha atividade parlamentar. Hoje, o difícil é encontrar tempo para os outros assuntos que não sejam de literatura. Como disse, a literatura já faz parte da minha vida política. Na Câmara dos Deputados, sou conhecido por alguns parlamentares como “o deputado do livro”. Criei e presido a Frente Parlamentar Mista da Leitura, e estou levantando no Congresso Nacional a pauta de assuntos relevantes para o livro e a leitura no Brasil, como a criação do Fundo Setorial Pró-Leitura. Aliás, os livros me ajudam muito nas atividades políticas, pois a boa arte da política está nos livros. E cito alguns exemplos, como Teoria geral da política, de Norberto Bobbio, O Brasil do possível, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e Bandeirantes e pioneiros, de Vianna Moog.

• Como bom leitor e bom observador, o senhor acha que o Congresso lê pouco, lê bem ou lê o suficiente?
Não tenho condições de avaliar isso de forma segura. Mas, se o Congresso Nacional é o retrato do nosso país, a tomar pelos resultados da última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, precisamos ler mais. A minha parte, estou fazendo, pois cada parlamentar que apoiou a criação da Frente Parlamentar Mista da Leitura ganhou um livro de presente.

• O senhor possui uma rotina de leituras? Como escolhe os livros que lê?
Leio sempre pela manhã, das 5h30 às 7h30. Tenho o privilégio de necessitar de poucas horas de sono para descansar. Por isso, gosto de acordar cedo para ler e para correr também, pois o corpo tem que manter a mesma saúde da mente. E gosto de ler nesse horário porque, nele, não tem barulho, não tem celular tocando ou filhos pedindo sua atenção. Com isso, a leitura rende mais. Além disso, sempre que estou em viagem, leio um livro. E, como gasto muitas horas por semana viajando para Brasília e para o interior do Paraná, isso me rende boas horas de leitura. Sobre a forma como escolho os livros que leio, durante muitos anos usei os cadernos culturais dos jornais e a mídia especializada — como o próprio Rascunho e a revista Bravo! — como fonte de consulta para a escolha de livros. Hoje, sigo mais o meu feeling, pois sempre estou em livrarias, mexendo nos balcões e nas prateleiras, e sigo indicações de alguns escritores amigos e editores.

• O senhor percebe na literatura uma função definida ou mesmo prática?
Para mim, a literatura é fonte de prazer e conhecimento. Além disso, os livros me dão direção. A leitura me liberta e me afasta do que não é importante no dia-a-dia, do que não é essencial ao meu crescimento individual. Na prática, o hábito da leitura estimula o pensamento e aumenta a consciência de nós mesmos. Para mim, quem lê é um construtor de si mesmo.

• Como o senhor reconhece a boa literatura? E que tipo de literatura lhe parece absolutamente imprestável?
Tenho dois métodos para reconhecer um bom livro para mim. Primeiro, um bom livro é aquele que não me deixa parar de ler, mesmo quando ainda estou selecionando alguns títulos nas prateleiras das livrarias. O livro que faz com que o almoço, a viagem e a reunião possam ser postergadas para depois do seu término é um livro bom para mim. Segundo, um livro bom é aquele que consegue me ler, que me vê por dentro, minha alma e meus pensamentos. Não gosto muito de qualificar algo como imprestável, pois o que não serve para mim pode servir para outra pessoa, e essa diversidade enriquece nossas vidas e nossa história. Não gosto muito de auto-ajuda e não leio algo pelo qual não me apaixone.

• Que grande autor o senhor nunca leu ou mesmo se recusa a ler? O senhor alimenta antipatias literárias?
Nunca li João Ubaldo Ribeiro. Não sei explicar o porquê. O fato é que seus livros nunca me atraíram. Mas não alimento antipatias literárias de qualquer espécie. Volto a dizer que tudo é questão de gosto, e gosto não se discute.

• Que personagem mais o acompanha vida afora?
Em geral, os personagens do Milan Kundera.

• Alberto Manguel já disse que todo bom livro postula uma questão moral, nem sempre explícita; que todo bom leitor sabe pescar, de um bom livro, uma questão ética pessoal; e que, às vezes, um mesmo livro levanta questões morais diferentes para leitores diferentes. Partindo desses pressupostos, a leitura de que livros o senhor consideraria imprescindível para a classe política?
Por todas essas razões e por tantas outras, creio que o livro Pequenos tratados de grandes virtudes, de André Comte-Sponville, deveria ser leitura obrigatória para todos os políticos e para todos os líderes empresariais.

• Que livro os brasileiros deveriam ler urgentemente?
1808 — Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil, do jornalista Laurentino Gomes, deve ser o livro de cabeceira da família brasileira. Primeiro, porque nunca a história do nosso país foi contada de uma forma tão direta, objetiva e prazerosa. Segundo, porque, depois de ler esse livro, todos conseguimos entender melhor quem somos e por que o povo brasileiro tem as características que tem até hoje. Esse livro traz o nosso DNA como nação.

• Como formar um leitor no Brasil?
Se eu tivesse a resposta para essa pergunta, seria o homem mais feliz do mundo! O fato é que precisamos de uma conjugação de fatores para formar um leitor. A influência da família é vital, pois educamos nossos filhos pelo exemplo. Filhos de pais leitores geralmente tornam-se leitores também. Depois, tem a influência dos amigos e do grupo. Amigos que ficam só no MSN desviam o adolescente e o jovem dos livros. Além disso, há a influência decisiva das escolas, que nem sempre conseguem estimular o prazer da leitura, transformando os livros numa obrigação. Para completar, temos a disciplina da religião, que influencia o comportamento humano em geral, e a questão socioeconômica, importante na hora de decidir se a prioridade é comer ou ler, e a aptidão nata de cada um. O processo é complexo, mas qualquer iniciativa ajuda. Por isso, faço a minha parte; faço o que está ao meu alcance como cidadão e como homem público. E se todos contribuírem, faremos do Brasil um país de leitores.

Luís Henrique Pellanda

Nasceu em Curitiba (PR), em 1973. É escritor e jornalista, autor de diversos livros de contos e crônicas, como O macaco ornamental, Nós passaremos em branco, Asa de sereia, Detetive à deriva, A fada sem cabeça, Calma, estamos perdidos e Na barriga do lobo.

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