O desafio que faz avançar!

A Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE) e o novo Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) 2025-2035
Ilustração: FP Rodrigues
01/10/2024

Nos dias anteriores ao Seminário organizado pela CBL/MinC/MEC, que abriram as jornadas da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, a pergunta que mais recebi foi: “agora vai?”. O anúncio de que haveria a presença dos ministérios encarregados de coordenar o novo Plano Nacional de Livro e Leitura (PNLL), o que denotava um compromisso público, intensificou-se com a notícia de que o presidente Lula participaria da abertura da Bienal, acompanhado de ministros, para anunciar medidas de incentivo ao livro e à leitura e firmar o Decreto de Regulamentação da Lei 13.696/2018, da Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE), medida esperada desde julho de 2018, quando a lei que reconhece a leitura e a escrita como um direito humano foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada.

Antecedido por uma pujante Convenção Nacional de Livrarias liderada pela ANL, o Seminário Políticas Públicas de Livro e Leitura, realizado no último 5 de setembro, certamente será um marco na história das políticas de formação de leitores e em defesa da leitura e do livro. Contando com a presença da ministra da Cultura do Brasil, Margareth Menezes, e do ministro da Cultura da Colômbia, Juan David Ulloa, as demais mesas desenvolveram o que a palavra oficial difundiu com muita ênfase: a centralidade da cultura e da educação, a importância fundamental do livro e da leitura em todas as suas modalidades e suportes, a estratégica posição das bibliotecas de acesso público para democratizar o acesso à leitura para a maioria da população, a necessidade de se formar pessoas habilitadas a formar novos leitores e novas leitoras e a diretriz de incentivo à economia do livro que prestigie a bibliodiversidade, os autores e autoras nacionais, a liberdade autoral e a defesa dos direitos autorais, a indústria editorial brasileira e latino-americana, a permanência e ampliação das livrarias que harmonizem o ecossistema do livro e da leitura.

Vivencio e atuo no mundo dos livros há 46 anos e, por óbvio, sei que todos os pontos levantados no parágrafo anterior já fazem parte do primeiro PNLL e da PNLE e são resultado de milhares de ações pela formação de leitores praticadas por ativistas Brasil afora e ao longo da história. Esse mesmo caminho percorrido também me ensinou a entender melhor os sinais que a política emite e que iniciativas republicanas como a que o atual governo acaba de tomar somam-se à abertura para a atuação da sociedade civil organizada em torno do tema de forma legal e necessária. Esse conjunto de coisas é altamente significativo para um país acostumado a ver relegado o tema da leitura a iniciativas esporádicas e descontinuadas sistematicamente a cada troca de governos.

Será esse conjunto de medidas finalmente tomadas no último 5 de setembro — formalização legal e prática da política de formação de leitores; responsabilização dos ministérios que a conduzirão; chamamento à participação da sociedade civil e da cadeia do livro, da leitura, da literatura e das bibliotecas — que se constituirá no grande desafio para os autores, editores, livreiros, mediadores, bibliotecários e leitores.

Se há um enorme desafio para o atual governo em fazer cumprir o compromisso firmado, ele é igual para todos nós que atuamos nessa seara. Um dos alicerces do primeiro PNLL foi a atuação da sociedade civil incidindo na política de formação de leitores, agora determinado como lei no Artigo 1º da PNLE. Nosso desafio enquanto sociedade civil, principalmente das associações representativas do setor, é fazer valer essa iniciativa política do atual governo federal de forma incisiva, cooperativa e republicana.

Impõem-se nessa retomada e na construção do novo PNLL decenal a dura realidade que o Brasil ainda enfrenta em relação ao letramento de sua população. Enfrentar essa questão é o desafio que deveria unir a todos e todas e essa possibilidade abriu-se novamente. Razões para lutar pelo letramento saltam aos nossos olhos cotidianamente.

A ausência de uma história pátria construída sobre a formação humanística e os ensinamentos científicos; a absurda desigualdade social e econômica que nos atravessou e ainda atravessa; a manutenção da ignomínia da ignorância fomentada pela desinformação em um mundo conectado pela informação e o conhecimento on-line; tudo isso cai sobre nossa cabeça na triste realidade de termos milhões de compatriotas que não conquistaram seu direito à leitura e à escrita.

Para a cidadania consciente e para os governos realmente democráticos, o problema do iletramento é estratégico e crucial para o desenvolvimento sustentável do país. É a chamada “parte cheia do copo” onde interesses sociais, políticos e econômicos convergem ao se fazer crescer o número de leitores. Cresce-se enquanto país com maior índice de inserção da população ao mundo contemporâneo e estimula-se a grande cadeia criativa, produtiva, distributiva e mediadora das escritas. Mas para isso é preciso pensar que há muito mais pessoas que poderiam ser leitoras além daquelas que já o fazem. Há que olhar além do horizonte visível para enxergar a realidade que podemos alcançar com perseverança e planejamento combinado com políticas públicas.

Quando pensarem “por que um PNLL?”, pensem nos leitores e leitoras que é preciso trazer para o mundo das letras. Conseguir cada vez mais leitores e manter os que já existem é mais do que uma justificativa para que Estado e sociedade atuem juntos e, definitivamente, poder ser mais do que um simples slogan.

Temos uma indústria profissionalizada e de qualidade, temos uma larga tradição editorial e livreira, temos excelentes autores e autoras, temos teóricos e profissionais mediadores de leitura com excelente formação e prática, qualificação que se estende aos profissionais bibliotecários e professores; é preciso que essas excelências compreendam que somente um projeto nacional de consenso e que forme leitores e leitoras de forma permanente pode nos fornecer aquilo que não temos enquanto país: uma maioria da população leitora proficiente e desfrutando o seu direito à leitura e à escrita.

É neste contexto que se impõe a necessidade de que o Estado assuma suas responsabilidades e a expressão mais avançada e racional disso é a existência de uma Política de Estado, supragovernamental e suprapartidária, hoje representada pela Lei da PNLE. Dessa política deriva um planejamento racional, efetivo, com objetivos e metas definidas, com acompanhamento e análise de seus resultados que sirvam para aprimorar e dar continuidade ao trabalho de formar novos leitores. Hoje, esse planejamento se chama PNLL, agora decenal, conforme determina a lei e a racionalidade.

A partir dessa equação — POLÍTICA DE ESTADO e PLANO OBJETIVO E MENSURÁVEL —, serão criados os programas, os projetos, as ações que darão materialidade aos objetivos e metas do PNLL decenal.

Aos segmentos que compõem a grande cadeia das escritas e das leituras cabe o trabalho de se organizarem e reivindicarem as prioridades que querem ver estampadas no novo PNLL e que atendam a formação leitora no seu segmento. A objetividade de um planejamento existe de fato quando os pontos que o compõem são resultado das necessidades para quem aquele planejamento é destinado. Em outras palavras, ou os elos da cadeia dizem quais os programas e ações que precisam ou um plano poderá ser inócuo para elas.

Há uma reflexão estratégica do qual todos os segmentos deveriam partir: a unidade de todos os segmentos das escritas e das leituras é o leitor e a leitora; e suas aspirações e necessidades são os que deveriam determinar as diretrizes, programas e ações propostos.

Aos leitores e para os leitores devemos trabalhar e aperfeiçoar a democratização do acesso às leituras, a formação de profissionais capacitados a atendê-los, a valorização de seu ato de ler em todos os formatos e a entender que há toda uma economia do livro cujo objetivo é fornecer o melhor do que a imaginação e o pensamento humano podem proporcionar.

José Castilho

É doutor em Filosofia/USP, docente na FCL-Unesp, editor, gestor público e escritor. Consultor internacional na JCastilho – Gestão&Projetos. Dirigiu a Editora Unesp, a Biblioteca Pública Mário de Andrade (São Paulo) e foi secretário executivo do Plano Nacional do Livro e Leitura (MinC e MEC).

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