Desde sua inauguração, em 1897, Belo Horizonte, primeira cidade brasileira totalmente planejada, contou com uma grande efervescência cultural, devido ao contingente de intelectuais que para lá afluiu, atraídos, principalmente, pela oportunidade de fazer carreira no funcionalismo público. Assim, já em 1901, menos de quatro anos após sua instalação, os irmãos Carlos e Alfredo de Sarandy Raposo (1880-1944)[1], vindos de experiências com periódicos em Curitiba e no Rio de Janeiro, lideram um grupo, auto-intitulado Jardineiros do Ideal, responsável pela introdução do Simbolismo na cidade. Deste grupo faziam parte Edgar da Mata Machado (1878-1907), que vai dirigir a primeira revista literária de Belo Horizonte, Minas Artística, de curtíssima duração, e Álvaro Vianna (1892-1936), responsável pela segunda revista, Horus, que tirou dois números, em julho e agosto de 1902. Ainda ligada aos ideais simbolistas, segundo o exaustivo levantamento de Andrade Muricy[2], houve uma terceira revista, A Época, em 1905, sem indicação dos nomes dos diretores[3].
Alguns anos decorreram, até que no começo da década de 1920, surgem as primeiras manifestações do Modernismo em Minas Gerais, que culminariam com a publicação dos três números de A Revista, em julho e agosto de 1925 e janeiro de 1926, tendo como diretores os poetas Martins de Almeida e Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e redatores Emilio Moura (1902-1971) e Gregoriano Canedo. A Revista colocou Minas Gerais no mapa da revolução modernista, e abriu caminho para o aparecimento, na década seguinte, de uma das mais interessantes iniciativas editoriais da história da capital mineira, a cooperativa “Os Amigos do Livro”. Idealizada pelo crítico Eduardo Frieiro (1889-1982), a publicação lançaria, entre 1931 e 1937, 25 títulos, dentre eles alguns dos mais significativos da história da literatura brasileira, como Brejo das almas, de Carlos Drummond de Andrade, Ingenuidade e Canto da hora amarga, de Emílio Moura, Galinha cega, de João Alphonsus (1901-1944), Velórios, de Rodrigo M. F. de Andrade (1898-1969), e O amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos (1906-1994)[4].
Grupos
Ainda na década de 1920, logo após a edição de A Revista, o jornal Estado de Minas publicou um suplemento, Leite Criôlo, filiado à Antropofagia, movimento liderado em São Paulo por Oswald de Andrade (1890-1954)[5]. Segundo o pesquisador Antônio Sérgio Bueno[6], o suplemento contou com dezesseis números, entre 2 de junho e 29 de setembro de 1929, tendo como diretores João Dornas Filho (1902-1962), Guilhermino César (1908-1993)[7] e Aquiles Viváqua (1900-1942). Para Gilberto Mendonça Telles[8], este foi o primeiro a colocar em questão a identidade negra brasileira, embora, seguindo as conclusões de Bueno, haja um traço claramente racista nas suas proposições.
Antes de radicar-se em definitivo no Rio Grande do Sul, Guilhermino César esteve à frente, ainda, em 1942, de uma revista, depois jornal, chamada Mensagem, que tinha como secretário João Etienne Filho (1918-1997), segundo informa Humberto Werneck, no seu fundamental O desatino da rapaziada[9]. Quatro anos depois, surgiria a revista Edifício, que reuniu em torno de seus quatro números (entre janeiro e julho), a nova geração, composta pelo historiador Francisco Iglesias (1923-1999), o crítico teatral Sábato Magaldi (1927), os romancistas Autran Dourado (1926) e Otávio Mello Alvarenga (1926)[10], e os poetas Jacques do Prado Brandão (1924-2007) e Wilson Figueiredo (1924)[11]. A iniciativa se desdobrou em editora, que publicou a primeira novela de Autran Dourado, A teia, e os livros de poemas de Figueiredo, Mecânica do azul, e de Brandão, Vocabulário noturno[12]. No ano seguinte, apareceu a revista Nenhum, com um número apenas, capitaneada por Helio Pelegrino (1924-1988) e Silvio Vasconcelos (1916)[13].
A década seguinte, sob a inspiração desenvolvimentista do governador e depois presidente Juscelino Kubistchek, será dominada pelo grupo formado pelo crítico Fábio Lucas (1931), pelo romancista Rui Mourão (1929) e pelo poeta e ensaísta Affonso Ávila (1928), que lançaram em 1951 a revista Vocação, semente da revista Tendência, de filiação nacionalista e concretista, e que circulou a partir de agosto de 1957[14]. Para se contrapor à hegemonia de Tendência, os romancistas Ivan Ângelo (1936) e Silviano Santiago (1936), também poeta e ensaísta, lançaram a revista Complemento, que durou quatro números entre 1956 e 1958, que contava com a colaboração de críticos de cinema (Maurício Gomes Leite e Flávio Pinto Vieira), artes plásticas (Frederico Morais), teatro (João Marschner) e música (Ezequiel Neves), conhecidos como a “Geração Complemento”[15]. O poeta Affonso Romano de Sant’Anna (1937) circulava por entre os grupos, sem aderir efetivamente a qualquer deles.
Suplemento
Lançado em 3 de setembro de 1966, e em circulação até hoje, o Suplemento Literário de Minas Gerais faria época. Todos os grandes escritores e críticos literários, vindos de antes ou recém-revelados, passaram pelas páginas daquele caderno cultural, que circulava aos sábados, sob a orientação, direta ou indireta, do grande contista Murilo Rubião (1916-1991). Os jovens escritores reunidos nos anos iniciais em torno de Rubião adotaram o epíteto de “Geração Suplemento”: Márcio Sampaio (1941), José Márcio Penido (1941), Vladimir Diniz (1947-1986), Jaime Prado Gouvêa (1945), Adão Ventura (1946-2004), Paulinho Assunção (1951), Luiz Vilela (1942) e Sérgio Sant’Anna (1941), entre outros. Neste período, final da década de 1960 e início da de 1970, circularam várias revistas em Belo Horizonte, a maioria de curta duração, como Ptyx, Vereda, Texto, Pró-Textos e Porta — a exceção seria Estória[16].
Fundada por Luiz Vilela, Luiz Gonzaga Vieira (1936) e Wanda Figueiredo (1930), entre outros, teve seu primeiro número lançado em outubro de 1965. Em 1966, dois novos volumes, em maio e dezembro; o nº 4 saiu em maio de 1967; em 1968, saíram os números 5, em março, e 6, em junho, com tiragens de 5 mil exemplares e distribuição nacional. Apesar de o editorial do nº 6 acenar com a possibilidade de ampliação dos interesses da revista, que até então só publicava contos de autores mineiros, a publicação não foi à frente.
Na década de 1970, em plena ditadura militar, os resistentes culturais espalhados por todo o país reuniam-se em torno de jornais e revistas mimeografados — daí ficarem conhecidos como “Geração Mimeógrafo”. Entre abril de 1972 e setembro de 1973, Jeferson Ribeiro (1947), dono de uma copiadora em Belo Horizonte, a Copibel, editou uma revista, Bel’Contos, que atingiu 10 números. Ribeiro criou ainda um selo, Edições Marginais, que publicou três antologias: uma reunindo contos de Murilo Rubião (naquele momento esquecido da crítica)[17], Luiz Vilela e Roberto Drummond (1933-2002), que, embora houvesse ganhado o importantíssimo Concurso de Contos do Paraná, ainda era inédito em livro[18]; outra com três contos do próprio Ribeiro; e uma terceira, que contava com textos de Ribeiro, Luiz Fernando Emediato (1951) e Antônio Barreto (1954), todos mineiros, e do gaúcho Caio Fernando Abreu (1948-1996), do fluminense Julio Cesar Monteiro Martins (1955) e do paranaense Domingos Pellegrini (1949)[19]. Esta antologia tornou-se a base da histórica Histórias de um novo tempo, publicada pela Codecri, editora do Pasquim, em 1977, marco do chamado boom da literatura da década de 1970.
Logo após a Bel’Contos, surgiu Silêncio, editada por Lucia Afonso, então aluna de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, que alcançou seis números, entre 1973 e 1975. Nos dois últimos números, Lucia Afonso foi auxiliada por Emediato. A revista sofreu uma ferrenha perseguição da Censura e, sob pressão, acabou fechando. Emediato participaria ainda de duas outras experiências, as revistas Circus, de curta duração, e Inéditos, que, lançada em 1976, com melhor acabamento, impressa em off set e de circulação nacional, durou seis números. Inéditos tinha como editor Vladimir Luz e diretor Ricardo Teixeira de Salles (Emediato aparece como uma espécie de faz-tudo), e, junto com Escrita, de São Paulo, Ficção e José, do Rio, e O Saco, de Fortaleza, foi uma das mais importantes publicações literárias da década de 1970, talvez o momento mais interessante da história da literatura brasileira
[1] Os irmãos Raposo estiveram à frente de um jornal simbolista de Curitiba, O Farol, publicado em 1898 (V. CAROLLO, Cassiana Lacerda. Decadentismo e Simbolismo no Brasil – crítica e poética. Volume 1. Rio de Janeiro/Brasília: Livros Técnicos e Científicos/INL, 1980, p. 61) e, logo depois, participaram de um grupo, no Rio de Janeiro, ligado ao poeta Guerra Duval, fiel à memória de Cruz e Souza (V. MURICY, Andrade. Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro. Volume 2. 3ª edição, revista e ampliada. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 1255).
[2] In op. Cit., p. 1265.
[3] Francisco Iglesias se refere a uma outra revista, Vida de Minas, de 1915, sem entrar em detalhes. V. IGLESIAS, Francisco. Meu amigo Autran Dourado. In: Suplemento Literário de Minas Gerais. Belo Horizonte, Volume 20, nº 955, p. 4-5, janeiro de 1985.
[4] V. FRIEIRO, Eduardo. “Recordando os Amigos do Livro”. Suplemento Literário de Minas Gerais. Belo Horizonte: Volume II, nº 68, p. 4-5, dezembro de 1967.
[5] O movimento teve como veículo inicial a Revista de Antropofagia, que circulou dez números, entre maio de 1928 e fevereiro de 1929, migrando depois, como suplemento, para as páginas do jornal Diário de S. Paulo, onde permaneceu entre 17 de março a 1º de agosto de 1929.
[6] In: O modernismo em Belo Horizonte: a década de vinte. Belo Horizonte: UFMG/Proed, 1982, p. 101.
[7] Poeta e crítico literário, Guilhermino César já havia participado da fundação da revista modernista Verde, de Cataguases (MG). Radicado no Rio Grande do Sul, desde o começo da década de 1940, tornou-se um dos principais estudiosos da cultura gaúcha.
[8] In: Vanguarda européia e modernismo brasileiro. 8ª edição. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 368.
[9] Poços de Caldas/São Paulo: Instituto Moreira Salles/Companhia das Letras, 1998, 3ª reimpressão, p. 114.
[10] Escritor, foi presidente da Sociedade Nacional de Agricultura, órgão classista dos fazendeiros.
[11] Figueiredo tornou-se jornalista combativo, diretor por décadas do Jornal do Brasil, em seu período áureo.
[12] V. IGLÉSIAS, Francisco. Op. Cit.
[13] V. QUEIROZ, Maria José de. “Nenhum, uma revista única”. Belo Horizonte: Suplemento Literário de Minas Gerais, Volume 25, nº 1176, 26/08/1992, p. 5.
[14] V. ALMEIDA, Márcio. Tendência: 30 anos de exemplo cultural. Suplemento Literário de Minas Gerais. Belo Horizonte, Volume 22, nº 1087, p. 4-5, outubro de 1987.
[15] V. WERNECK, Humberto. Op. Cit., p. 161-163.
[16] V. As sextas estórias dos novos de Minas. Suplemento Literário de Minas Gerais. Belo Horizonte, Volume 3, nº 108, p. 5-7, setembro de 1968.
[17] Rubião, que havia publicado três livros de contos, entre 1947 e 1965, voltaria a circular, e em grande estilo, a partir de 1974, quando a Editora Ática resolveu publicar, na famosa coleção Autores Brasileiros, dirigida por Jiro Takahashi, a coletânea O pirotécnico Zacarias, numa edição de 30 mil exemplares. A partir de então, Rubião passou a ter sua obra reconhecida pela crítica e pelo público como uma das mais originais da literatura brasileira.
[18] Sua estréia seria com A morte de D. J. em Paris, também publicado sob a chancela da Editora Ática, na coleção Autores Brasileiros, com enorme sucesso de vendas.
[19] Junto com Alexandre Marino e Marco Túlio Costa, Barreto esteve à frente do mais interessante projeto editoriais marginais de Minas Gerais, a revista Protótipo, que circulou, a partir de Passos, no underground literário brasileiro, entre 1972 e 1973 (com um último número em 1976), e que será objeto de análise em outra ocasião.