Revistas literárias da década de 1970 (3)

Concursos literários da "Escrita" descobriram bons autores brasileiros entre o final dos anos 1970 e início dos 1980
01/05/2009

Além de revelar jovens talentos, por meio de seleções mensais de contos e poemas, e resgatar autores já publicados, mas esquecidos ou ainda não devidamente reconhecidos, a revista Escrita, editada por Wladyr Náder (1938), promoveu, ao longo de sua existência (39 números, entre 1975 e 1988, com largas interrupções), três edições de um concurso que nos permitem aferir o que acontecia no cenário literário do período compreendido entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980.

Em julho de 1976, em seu nº 10, foi lançado o I Concurso Escrita de Literatura, prometendo pagar três mil cruzeiros[1] para o vencedor de cada uma de quatro categorias — poesia, conto, romance e estória infantil —, garantindo, ainda, a “publicação dos trabalhos vencedores nas páginas da revista ou em livro, através da Editora Vertente”. O maior número de concorrentes destinou-se ao gênero poesia: a redação recebeu 67 livros (“mínimo de 40 e máximo de 100 páginas”), tendo saído vencedor Marcos de Carvalho[2], com Letra morta, publicado como encarte no nº 15 (dezembro de 1976). O júri, formado por Affonso Romano de Sant’Anna, Florivaldo Menezes, Mário Chamie, Wladyr Náder e Y. Fujyama, concedeu duas menções honrosas, a Ana Maria Pedreira Franco de Castro[3] (Uku Pacha) e a Marcos Tavares[4] (Três lições).

Na categoria conto, foram inscritos 20 títulos (“mínimo de 50 e máximo de 100 páginas”), e o júri, formado por Antonio Dimas, Astolfo Araújo, Flávio Moreira da Costa, Geraldo Galvão Ferraz e Ignácio de Loyola Brandão, resolveu declarar dois vencedores: Roniwalter Jatobá, com Sabor de química, e Moacyr Scliar, com Histórias da Terra Trêmula, além de conceder uma menção honrosa a Julio Cesar Monteiro Martins, com O método. Ao invés de dividir o prêmio, a revista concedeu três mil cruzeiros para cada um, e os livros foram publicados como encarte no nº 16 (o de Jatobá) e no nº 17 (o de Scliar). Os três autores desenvolveram carreira literária: Jatobá[5], dono de uma obra pequena mas importantíssima; Scliar[6], reconhecido internacionalmente, e Martins[7], que, após um período de intensa produção no Brasil, radicou-se, na década de 1990, na Itália.

Catorze livros concorreram na categoria romance (“mínimo de 70 e máximo de 100 páginas”). O júri, Antônio Torres, Gilberto Mansur e João Antônio, escolheu Sim sinhor, Inhor sim, Pois não…, de Antonio Possidônio Sampaio[8], para o primeiro lugar, concedendo menções honrosas a Ronaldo Costa Fernandes (Obstinato) e a Jaime Rodrigues (Mingau-das-almas). Sampaio, baiano de Santa Teresinha, onde nasceu em 1931, tinha quatro títulos publicados antes da premiação — e lançou mais uma dezena depois, entre crônicas e prosa de ficção, com destaque para No ABC dos Peões (2005)[9]. Fernandes, nascido em São Luís (MA), em 1952, aguardou até a década de 1990 para começar a publicar seus livros, em diversos gêneros, como ensaio (O narrador do romance, 1996), poesia (Estrangeiro, 1997) e romance (Concerto para flauta e martelo, 1997)[10]. O carioca Jaime Rodrigues (1941-1998) publicou apenas um romance, Phutatorius, em 1979[11].

Finalmente, Maria Lúcia Amaral[12], enfrentando 33 concorrentes, venceu o concurso no gênero estória infantil (“mínimo de 10 e máximo de 80 páginas”), com Zé Ventania, publicado no corpo do nº 19. O júri, Antonieta Dias de Moraes, Antônio Hohlfeldt, Marisa Lajolo, Regina Mariano e Wladyr Náder, ainda concedeu menções honrosas a Anco Márcio de Miranda Tavares[13] (A invasão do Reino Encantado de Mimesópolis), Lucia Miners[14] (Com quantos horizontes se faz um João) e Marco Antônio Carvalho (A verdadeira estória do Lobo e da Chapeuzinho).

Em fevereiro de 1977, em seu número 17, foram lançadas as bases do II Concurso Escrita de Literatura, com ampliação do prêmio para cinco mil cruzeiros para cada um dos vencedores[15], e inclusão de mais uma categoria, o ensaio — além de poesia, conto, romance e estória infantil. Em setembro, no nº 24, porém, a surpresa: diante da divergência entre os jurados de conto e romance, a revista, escudada na cláusula 12 do regulamento (“os casos omissos serão resolvidos pela direção da revista”), resolveu não premiar nenhum concorrente nestas categorias.

Eram 25 livros de contos, julgados por Drumond Amorim, Y. Fujyama e Hamilton Trevisan. Amorim indicou cinco finalistas, mas Fujyama afirma, categórico, em sua justificativa de voto: “(…) foram postos em destaque alguns contos, mas nenhuma coletânea, e a comissão foi incumbida de votar nos melhores conjuntos de contos, do que resulta a não premiação de nenhum dos candidatos”[16]. Opinião seguida por Trevisan, anotada num seco: “De acordo com Y. Fujyama”. No caso do romance, entre 10 candidatos, Carlos Menezes e Antonio Possidônio Sampaio, sem muito entusiasmo, encontraram originais dignos de serem premiados, mas Astolfo Araújo não votou em ninguém. Houve vencedor apenas na categoria poesia: Cesar Marrano Piovani[17], com Potes de almas, considerado por Silviano Santiago, Marcos de Carvalho e Wladyr Náder, o melhor entre os 93 concorrentes. O júri concedeu 2º e 3º lugares a Roberto do Valle (Homem Muro) e Roberto Bozzetti (Poemas da Bruzundanga), respectivamente.

O resultado das categorias estória infantil e ensaio só seria conhecido muito tempo depois. Atropelada por uma crise financeira, a revista nunca mais conseguiria manter sua periodicidade. Quando voltou, em 1979, “oito meses depois do número 27”[18], tinha outro formato (16 cm x 23 cm), uma tiragem três vezes menor (três mil exemplares) e circulação restrita ao Rio de Janeiro e São Paulo. No nº 28, divulgava: dos 28 títulos concorrentes em estória infantil, venceu Vilma Arêas, mais tarde reconhecida como ficcionista e ensaísta, com As andanças de Nelinha no País de Todo-Dia. As juradas, Ana Maria Machado, Edith Machado e Laura Constância Sandroni, indicaram Giselda Laporta Nicolelis (Onde mora o arco-íris), hoje consagrada autora de mais de cem títulos destinados aos públicos infantil e juvenil, e Danilo Ferreira Fonseca (A fada não-sei-o-quê) para 2º e 3º lugares.

No mesmo número, Fábio Lucas, Antonio Dimas e Flávio Loureiro Chaves apontavam Jaime Rodrigues, que recebera menção honrosa no concurso anterior, na categoria romance, como vencedor da categoria ensaio, com O utraquismo carolliano,[19] seguido por Marcos Antônio da Silva, com Chibata risível em papel e tinta: Careta, e Flora Sussekind[20], com Machado de Assis: a vara e o caso da arte. Também eram lançadas as bases do III Concurso Escrita de Literatura, com uma mudança importante: o valor da premiação diminuíra de cinco para dois mil cruzeiros (três mil, caso, ao invés de publicado em livro, saísse encartado na revista), e ainda assim como “adiantamento de direitos autorais”. O regulamento, datado de dezembro de 1978, incluía ainda um novo gênero, a novela.

Em abril de 1980, no nº 30, a revista comunicava: “Edson Negromonte, de Paulínia, interior de São Paulo, foi o único vencedor do III Concurso Escrita de Literatura, por decisão da comissão julgadora formada pelos escritores J. B. Sayeg, Hamilton Trevisan e Wladyr Náder. (…) Nas demais categorias — conto, novela, romance, estória infantil e ensaio literário — não houve vencedor”. O livro do catarinense Negromonte, 25 anos à época, Exercício poético das vacas aos homens e suas dores, concorreu com 35 candidatos, sendo que seis deles mereceram menção honrosa: Maria Aparecida Moura, Geraldo Bergamo, Maria Christina de Gouvêa Carvalho, Paulo Bentancur, Ruy Proença e Tanussi Cardoso — os três últimos desenvolvem interessante carreira na poesia. Seis livros concorreram na categoria novela, sete na de romance, oito na de estória infantil e quatro em ensaio literário.

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Notas
[1] Para se ter uma idéia, o preço de capa da revista era de Cr$ 10,00, ou seja, o prêmio equivalia a 300 vezes este valor. O total de prêmios distribuído foi de Cr$ 15 mil, já que na categoria conto houve empate e a revista resolveu conceder Cr$ 3 mil para cada um dos dois autores.

[2] “Paraibano nascido em Cajazeiras há 31 anos”, autor de “dois livretos mimeografados”, “um folheto de cordel chamado ‘ABC do Bras0ileiro’ e um aglomerado de poemas chamado ‘Colcha de Retalhos’’ – era como se apresentava o autor à época. Escrita nº 15, p. 14.

[3] “Tenho 24 anos, três formada em direito, possuo uma motocicleta chamada Rocinante: pratico surf, e sou tida como louca”, afirmava a autora, moradora de Salvador (BA).

[4] “Não cumpriu a parte do regulamento que pedia dez linhas de dados pessoais do autor”. Morava em João Pessoa (PB).

[5] Nascido em Campanário (MG), em 1949, é autor de Crônicas da vida operária (1978) e dos romances Filhos do medo (1979) e Pássaro Selvagem (1985), todos pela Editora Global, de São Paulo, e Tiziu (São Paulo: Scritta, 1994), além das novelas Paragens (São Paulo: Boitempo, 2004).

[6] Nascido em Porto Alegre (RS), em 1937, é autor de mais setenta títulos, entre contos, romances, novelas, ensaios, crônicas e literatura infantil e juvenil, vários deles publicados no exterior.

[7] Escritor ativo nas décadas de 1970 e 1980, militante dos direitos humanos e um dos fundadores do Partido Verde, mudou-se para a Itália em meados da década de 1990, onde, a partir de 1996, tornou-se professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira na Universidade de Pisa. Fundou a Scuola Sagarana, de escrita criativa, e edita a revista eletrônica Sagarana, que tem divulgado com assiduidade a literatura brasileira em traduções para o italiano. Tem três livros de contos e um romance escritos diretamente em italiano e é atualmente reconhecido com um dos mais importantes escritores daquele país.

[8] Publicado como encarte no nº 18 da revista Escrita.

[9] Edição conjunta de dois livros anteriores, A Capital do Automóvel (1979) e Lula e a greve dos peões (1982).

[10] Seus livros mais recentes são: Eterno passageiro (poesia, 2004), O viúvo (2005, romance), Manual de tortura (contos e crônicas, 2007) e A ideologia do personagem brasileiro (ensaio, 2008).

[11] Talvez seja Mingau-das-almas com o título modificado…

[12] Nascida em 1919, em Olinda (PE), a autora tem publicados mais de 30 títulos destinados à criança.

[13] Paraibano, de 1945, dedica-se prioritariamente ao humorismo no rádio e na televisão.

[14] Publicou outros livros para o público infantil, mas não consegui obter maiores informações.

[15] O valor do prêmio, então, equivalia a 334 vezes o preço de capa, estipulado em Cr$ 15,00.

[16] Escrita nº 24 (setembro de 1977), p. 49.

[17] Sem maiores informações, a revista apenas indicada que o autor morava em São Paulo.

[18] Escrita nº 28 (sem data), p. 3.

[19] Publicado no nº 30 (maio de 1980), às páginas 36-60.

[20] Flora Sussekind tornou-se uma das mais importantes ensaístas da literatura brasileira, com ênfase em suas pesquisas sobre o chamado período “pré-modernista”.

Luiz Ruffato

Publicou diversos livros, entre eles Inferno provisório, De mim já nem se lembra, Flores artificiais, Estive em Lisboa e lembrei de você, Eles eram muitos cavalos, A cidade dorme e O verão tardio, todos lançados pela Companhia das Letras. Suas obras ganharam os prêmios APCA, Jabuti, Machado de Assis e Casa de las Américas, e foram publicadas em quinze países. Em 2016, foi agraciado com o prêmio Hermann Hesse, na Alemanha. O antigo futuro é o seu mais recente romance. Atualmente, vive em Cataguases (MG).

Rascunho