Embora o nº 7, de fevereiro de 1977, trouxesse, à página 12 do caderno Anexo, um anúncio promissor (“a partir do próximo número nossa revista terá novo dimensionamento, passará a ter 48 páginas e nova diagramação”), O SACO nunca mais chegou às bancas[1]. A revista, editada em Fortaleza (CE) por um grupo liderado por Manoel Raposo (1933), Jackson Sampaio (1941), Nilto Maciel (1945) e Carlos Emílio Correia Lima (1956), nascida em abril de 1976, morria devido a dois motivos principais: problemas de distribuição e, aparentemente, desentendimentos com a intelectualidade local[2]… Segundo Maciel[3], desde o início, o grupo sabia que “sem publicidade a revista não sobreviveria”: “E nunca conseguimos grandes anunciantes”. Ele questiona ainda que, com apenas seis mil exemplares, a revista passou a ter distribuição nacional: “Eis aí a razão principal do nosso fracasso. O Saco não podia ter distribuição nacional. Por que não concentramos nossas atividades no Ceará ou mesmo no Nordeste?”. Aliás, Maciel parece ter sido sempre voto vencido na questão dos objetivos da revista. Em depoimento a Alexandre Barbalho, o escritor afirma que, contrariamente à idéia de Carlos Emílio, de editar uma revista de circulação nacional, “nunca imaginei coisa deste tipo”. “Para ser franco, nunca gostei de duas das principais características da revista: a comercial, empresarial, e a relativa ao formato (…) Queria uma coisa independente, marginal, alternativa, feita por escritores novos e sem vez no mercado editorial”[4].
Assim, o nº 1, com o subtítulo de “revista mensal de cultura”, lançado em 2 de abril de 1976, teve seus seis mil exemplares[5] distribuídos nas bancas de Fortaleza e região pela Distribuidora Cultural de Publicações, de Fortaleza. No segundo número, a responsabilidade passou para a Distribuidora Edésio, também de Fortaleza. Do nº 3 em diante, foi contratada a empresa carioca Superbancas, responsável pela distribuição do Jornal do Brasil, e a revista passou a ser encontrada em bancas de todas as grandes cidades do Brasil. Segundo Barbalho, trabalhar com a Superbancas não foi propriamente uma escolha: “Outras grandes distribuidoras foram contatadas e recusaram a publicação”. Assim, se por um lado os editores cumpriam parte do exposto no editorial do nº 1 da revista, quando afirmavam pretender se colocar “no arranjo arte e comércio”, por outro lado, relativizavam, de certa forma, o ideal também lá exposto, de ser uma opção para o escritor acompanhar o produto durante todo o ciclo, “criação, publicação e distribuição”.
A decisão de tornar-se uma revista nacional, no entanto, já era questionada em editorial do nº 5, de novembro de 1976: “o mecanismo da distribuição e das prestações de conta precisa ser estudado a nível amplo, coletivo, pois não é problema de determinada revista com determinado distribuído, é problema do sistema de distribuição. Já estamos saindo com o nº 5 e, por força de contrato, ainda não recebemos nem o retorno do nº 2, o primeiro a ter distribuição centralizada e nacional”. Além disso, a estratégia de ceder à empresa Stágio Arte Visual Propaganda e Marketing a parte comercial redundou em fracasso: “constatamos que todos os anunciantes e assinantes conseguidos (..) eram falsos. Todos os contratos com rubrica fria…”
Estrutura frágil
Alexandre Barbalho afirma que “a pretensão de organizar uma estrutura comercial, independente o mínimo possível, revelou-se frágil. A base publicitária da revista era a propaganda das Livrarias Feira do Livro, cujo principal proprietário era Manoel Raposo, um dos editores. Ou seja, no final a revista era bancada pelos seus responsáveis diretos, característica generalizada entre as publicações alternativas (…)”[6]. Ainda segundo Barbalho, de uma hora para outra, a Superbancas rompeu o contrato com a revista. Para resolver o problema, Raposo deslocou-se até o Rio de Janeiro, mas não conseguiu nem reverter a decisão da empresa, nem convencer alguma outra a assumir a distribuição.
O outro grande problema enfrentado pelo grupo que editava O Saco apareceu muito rapidamente. O editorial do nº 3, de julho de 1977, já relatava uma crise de identidade, que iria se agravar ao longo do tempo. “A existência d’O Saco atraiu mais, verdade estatística, a atenção e a intenção de colaborar de artistas que: 1º Já veiculam suas produções; 2º Vivem no sul do país. (…) A partir destas surpresas uma coisa ficou clara — O Saco mostrou-se válido como aumento do mercado de publicação para o escritor que, digamos assim, já tenha consciência política do produzir e do divulgar literários. (…) O lançamento d’O Saco não criou novos escritores, não criou novos leitores, a nível de quantidade significativa…” Este impasse, de ser uma revista nordestina e rechear boa parte de suas páginas com a produção de autores “do Sul”[7], pode ter sido a causa dos desentendimentos tanto entre os membros do grupo que editava O Saco, quanto com relação aos colaboradores do Ceará e região. Jackson Sampaio, citado por Barbalho, afirma que, entre as causas determinantes do fim da revista, estava o “não crescimento concomitante de apoio dos meios intelectuais e governamentais da província”[8]. Manoel Raposo replica: “Aqui, infelizmente, a gente sentia que o pessoal tinha dificuldade para mandar, a gente precisava ir na casa de um, de outro. Isso aqui em Fortaleza, já nos outros estados era uma grande quantidade de matéria. A não ser por parte daquele pessoal mais antigo, dos intelectuais mais antigos que rapidamente compreenderam a importância da revista. Quer dizer, a revista era mais uma revista de jovem para promover jovens, entretanto a gente encontrava mais atenção do pessoal mais idoso”[9].
Repercussão crítica
O editorial do nº 5 também relatava, brevemente, as repercussões da revista entre os cearenses. “Ficamos sobremaneira felizes quando um crítico cearense ocupou as páginas de um jornal daqui para analisar O Saco. O Sr. José Alcides Pinto, já publicado como contista no nosso nº 2, teceu elogios gerais e baixou sarrafo no caderno ‘Verso’ do nº 3. Aconselhou-nos, entre outras coisas, a tirar de circulação o referido caderno. E bem verdade o ilustre crítico não aprofundou certos critérios. Os critérios da Crítica devem ser analisados e defendidos na frente do leitor, não devem ficar ocultos, como pressupostos óbvios, por trás do ‘gosto pessoal do crítico’. Um leitor, neste a ausência de critérios é pelo menos explicável já que não é especialista, saiu em defesa dos poetas acusando o Sr. Alcides Pinto, este sim, de ilegível. A tréplica foi uma enxurrada de adjetivos que não fez justiça a ninguém. (…) Paralelamente (…) o Sr. Pedro Lyra, cearense dos que se foram (…) [publicou] três pronunciamentos (…) no Jornal de Letras (…) dois brilharam pela sobriedade e justeza mas o segundo deles, no qual pretendeu analisar os quatro contos publicados n’O Saco nº 1 brilhou pela pressa e pelo equívoco”. Os quatro autores, em questão, Carlos Emílio, Nilto Maciel, Jackson Sampaio e Airton Monte, eram cearenses, sendo os três primeiros pertencentes ao grupo que editava a revista…
Com o rompimento do contrato com a Superbancas, e sem conseguirem uma empresa para substituí-la na tarefa de fazer a distribuição nacional, restou uma última tentativa de manter O Saco circulando. Foram distribuídos em Fortaleza, segundo Barbalho[10], dois mil folhetos intitulados “Vamos deixar O Saco morrer?”, convocando para uma reunião aberta, no dia 11 de abril de 1977, para discutir os problemas da distribuição, da questão econômica e o próprio rumo da revista. No entanto, apenas 15 pessoas compareceram ao encontro marcado para a sede da Associação Cearense de Imprensa — nem mesmo Carlos Emílio e Nilto Maciel, dois dos quatro editores da revista, compareceram… Era o fim de O Saco, uma das poucas, até hoje, experiências de edição de uma revista nacional de literatura fora do eixo Sul-Sudeste…
Notas
[1] Segundo Maciel, em depoimento ao autor, ainda houve um oitavo número, “uma tentativa de retomar o projeto nos anos 80” (BARBALHO, p. 63), uma iniciativa de Manoel Coelho Raposo, “sem a participação dos outros fundadores da revista”.
[2] Houve ainda problemas com a censura: a revista esteve submetida ao regime de “verificação prévia” em seus três primeiros números, mas esta questão, abordada com lucidez no editorial do nº 4, não parece ter contribuído para o fim de O Saco.
[3] “A revista O Saco e o Grupo Siriará”. In: Literatura cearense: dos Oiteiros ao Grupo Siriará. Fortaleza: Feira do Sebo, fevereiro de 2008, s/pag.
[4] BARBALHO, Alexandre. Cultura e imprensa alternativa. Fortaleza: Editora da Universidade do Estado do Ceará.
[5] A edição total foi de sete mil exemplares, sendo que, destes, mil exemplares foram adquiridos pela Secretaria de Cultura e Promoção Social do Estado do Ceará, enviados para escolas e bibliotecas públicas.
[6] Op. Cit. pág. 45-46.
[8] Op. Cit, pág. 64.
[9] Idem, pág. 65.
[10] Op. Cit, págs. 65-66.