Revistas literárias da década de 1970 (12)

Problemas de distribuição e desentendimentos com a intelectualidade cearense decretaram a morte de O SACO
01/02/2010

Embora o nº 7, de fevereiro de 1977, trouxesse, à página 12 do caderno Anexo, um anúncio promissor (“a partir do próximo número nossa revista terá novo dimensionamento, passará a ter 48 páginas e nova diagramação”), O SACO nunca mais chegou às bancas[1]. A revista, editada em Fortaleza (CE) por um grupo liderado por Manoel Raposo (1933), Jackson Sampaio (1941), Nilto Maciel (1945) e Carlos Emílio Correia Lima (1956), nascida em abril de 1976, morria devido a dois motivos principais: problemas de distribuição e, aparentemente, desentendimentos com a intelectualidade local[2]… Segundo Maciel[3], desde o início, o grupo sabia que “sem publicidade a revista não so­breviveria”: “E nunca conseguimos grandes anunciantes”. Ele questiona ainda que, com apenas seis mil exemplares, a revista passou a ter distribuição nacional: “Eis aí a razão principal do nosso fracasso. O Saco não podia ter distribuição nacional. Por que não concentramos nos­sas atividades no Ceará ou mesmo no Nordeste?”. Aliás, Maciel parece ter sido sempre voto vencido na questão dos objetivos da revista. Em depoimento a Alexandre Barbalho, o escritor afirma que, contrariamente à idéia de Carlos Emílio, de editar uma revista de circulação nacional, “nunca imaginei coisa deste tipo”. “Para ser franco, nunca gostei de duas das principais características da revista: a comercial, empresarial, e a relativa ao formato (…) Queria uma coisa independente, marginal, alternativa, feita por escritores novos e sem vez no mercado editorial”[4].

Assim, o nº 1, com o subtítulo de “revista mensal de cultura”, lançado em 2 de abril de 1976, teve seus seis mil exemplares[5] distribuídos nas bancas de Fortaleza e região pela Distribuidora Cultural de Publicações, de Fortaleza. No segundo número, a responsabilidade passou para a Distribuidora Edésio, também de Fortaleza. Do nº 3 em diante, foi contratada a empresa carioca Superbancas, responsável pela distribuição do Jornal do Brasil, e a revista passou a ser encontrada em bancas de todas as grandes cidades do Brasil. Segundo Barbalho, trabalhar com a Superbancas não foi propriamente uma escolha: “Outras grandes distribuidoras foram contatadas e recusaram a publicação”. Assim, se por um lado os editores cumpriam parte do exposto no editorial do nº 1 da revista, quando afirmavam pretender se colocar “no arranjo arte e comércio”, por outro lado, relativizavam, de certa forma, o ideal também lá exposto, de ser uma opção para o escritor acompanhar o produto durante todo o ciclo, “criação, publicação e distribuição”.

A decisão de tornar-se uma revista nacional, no entanto, já era questionada em editorial do nº 5, de novembro de 1976: “o mecanismo da distribuição e das prestações de conta precisa ser estudado a nível amplo, coletivo, pois não é problema de determinada revista com determinado distribuído, é problema do sistema de distribuição. Já estamos saindo com o nº 5 e, por força de contrato, ainda não recebemos nem o retorno do nº 2, o primeiro a ter distribuição centralizada e nacional”. Além disso, a estratégia de ceder à empresa Stágio Arte Visual Propaganda e Marketing a parte comercial redundou em fracasso: “constatamos que todos os anunciantes e assinantes conseguidos (..) eram falsos. Todos os contratos com rubrica fria…”

Estrutura frágil
Alexandre Barbalho afirma que “a pretensão de organizar uma estrutura comercial, independente o mínimo possível, revelou-se frágil. A base publicitária da revista era a propaganda das Livrarias Feira do Livro, cujo principal proprietário era Manoel Raposo, um dos editores. Ou seja, no final a revista era bancada pelos seus responsáveis diretos, característica generalizada entre as publicações alternativas (…)”[6]. Ainda segundo Barbalho, de uma hora para outra, a Superbancas rompeu o contrato com a revista. Para resolver o problema, Raposo deslocou-se até o Rio de Janeiro, mas não conseguiu nem reverter a decisão da empresa, nem convencer alguma outra a assumir a distribuição.

O outro grande problema enfrentado pelo grupo que editava O Saco apareceu muito rapidamente. O editorial do nº 3, de julho de 1977, já relatava uma crise de identidade, que iria se agravar ao longo do tempo. “A existência d’O Saco atraiu mais, verdade estatística, a atenção e a intenção de colaborar de artistas que: 1º Já veiculam suas produções; 2º Vivem no sul do país. (…) A partir destas surpresas uma coisa ficou clara — O Saco mostrou-se válido como aumento do mercado de publicação para o escritor que, digamos assim, já tenha consciência política do produzir e do divulgar literários. (…) O lançamento d’O Saco não criou novos escritores, não criou novos leitores, a nível de quantidade significativa…” Este impasse, de ser uma revista nordestina e rechear boa parte de suas páginas com a produção de autores “do Sul”[7], pode ter sido a causa dos desentendimentos tanto entre os membros do grupo que editava O Saco, quanto com relação aos colaboradores do Ceará e região. Jackson Sampaio, citado por Barbalho, afirma que, entre as causas determinantes do fim da revista, estava o “não crescimento concomitante de apoio dos meios intelectuais e governamentais da província”[8]. Manoel Raposo replica: “Aqui, infelizmente, a gente sentia que o pessoal tinha dificuldade para mandar, a gente precisava ir na casa de um, de outro. Isso aqui em Fortaleza, já nos outros estados era uma grande quantidade de matéria. A não ser por parte daquele pessoal mais antigo, dos intelectuais mais antigos que rapidamente compreenderam a importância da revista. Quer dizer, a revista era mais uma revista de jovem para promover jovens, entretanto a gente encontrava mais atenção do pessoal mais idoso”[9].

Repercussão crítica
O editorial do nº 5 também relatava, brevemente, as repercussões da revista entre os cearenses. “Ficamos sobremaneira felizes quando um crítico cearense ocupou as páginas de um jornal daqui para analisar O Saco. O Sr. José Alcides Pinto, já publicado como contista no nosso nº 2, teceu elogios gerais e baixou sarrafo no caderno ‘Verso’ do nº 3. Aconselhou-nos, entre outras coisas, a tirar de circulação o referido caderno. E bem verdade o ilustre crítico não aprofundou certos critérios. Os critérios da Crítica devem ser analisados e defendidos na frente do leitor, não devem ficar ocultos, como pressupostos óbvios, por trás do ‘gosto pessoal do crítico’. Um leitor, neste a ausência de critérios é pelo menos explicável já que não é especialista, saiu em defesa dos poetas acusando o Sr. Alcides Pinto, este sim, de ilegível. A tréplica foi uma enxurrada de adjetivos que não fez justiça a ninguém. (…) Paralelamente (…) o Sr. Pedro Lyra, cearense dos que se foram (…) [publicou] três pronunciamentos (…) no Jornal de Letras (…) dois brilharam pela sobriedade e justeza mas o segundo deles, no qual pretendeu analisar os quatro contos publicados n’O Saco nº 1 brilhou pela pressa e pelo equívoco”. Os quatro autores, em questão, Carlos Emílio, Nilto Maciel, Jackson Sampaio e Airton Monte, eram cearenses, sendo os três primeiros pertencentes ao grupo que editava a revista…

Com o rompimento do contrato com a Superbancas, e sem conseguirem uma empresa para substituí-la na tarefa de fazer a distribuição nacional, restou uma última tentativa de manter O Saco circulando. Foram distribuídos em Fortaleza, segundo Barbalho[10], dois mil folhetos intitulados “Vamos deixar O Saco morrer?”, convocando para uma reunião aberta, no dia 11 de abril de 1977, para discutir os problemas da distribuição, da questão econômica e o próprio rumo da revista. No entanto, apenas 15 pessoas compareceram ao encontro marcado para a sede da Associação Cearense de Imprensa — nem mesmo Carlos Emílio e Nilto Maciel, dois dos quatro editores da revista, compareceram… Era o fim de O Saco, uma das poucas, até hoje, experiências de edição de uma revista nacional de literatura fora do eixo Sul-Sudeste…

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Notas
[1] Segundo Maciel, em depoimento ao autor, ainda houve um oitavo número, “uma tentativa de retomar o projeto nos anos 80” (BARBALHO, p. 63), uma iniciativa de Manoel Coelho Raposo, “sem a participação dos outros fundadores da revista”.

[2] Houve ainda problemas com a censura: a revista esteve submetida ao regime de “verificação prévia” em seus três primeiros números, mas esta questão, abordada com lucidez no editorial do nº 4, não parece ter contribuído para o fim de O Saco.

[3] “A revista O Saco e o Grupo Siriará”. In: Literatura cearense: dos Oiteiros ao Grupo Siriará. Fortaleza: Feira do Sebo, fevereiro de 2008, s/pag.

[4] BARBALHO, Alexandre. Cultura e imprensa alternativa. Fortaleza: Editora da Universidade do Estado do Ceará.

[5] A edição total foi de sete mil exemplares, sendo que, destes, mil exemplares foram adquiridos pela Secretaria de Cultura e Promoção Social do Estado do Ceará, enviados para escolas e bibliotecas públicas.

[6] Op. Cit. pág. 45-46.

[8] Op. Cit, pág. 64.

[9] Idem, pág. 65.

[10] Op. Cit, págs. 65-66.

Luiz Ruffato

Publicou diversos livros, entre eles Inferno provisório, De mim já nem se lembra, Flores artificiais, Estive em Lisboa e lembrei de você, Eles eram muitos cavalos, A cidade dorme e O verão tardio, todos lançados pela Companhia das Letras. Suas obras ganharam os prêmios APCA, Jabuti, Machado de Assis e Casa de las Américas, e foram publicadas em quinze países. Em 2016, foi agraciado com o prêmio Hermann Hesse, na Alemanha. O antigo futuro é o seu mais recente romance. Atualmente, vive em Cataguases (MG).

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