Pela margem (2)

Quem são e como sobrevivem as micro e pequenas editoras brasileiras; nesta edição, Crisálida, Horizonte e Ibis Libris
Livro do poeta William Blake deu projeção à Crisálida.
01/06/2010

Dando seqüência à série que pretende discutir para compreender como sobrevivem as pequenas e microeditoras num mercado globalizado, apresentamos três novos selos: a Editora Crisálida, que encontrou um nicho, para muitos improvável, a tradução de textos clássicos latinos e Machado de Assis; a Editora Horizonte, que vem se especializando em estudos universitários; e a Ibis Libris, que tem na poesia a força de seu catálogo.

Crisálida Livraria e Editora
“Eu queria poder comprar o feijão com o sonho: daí a idéia de ter um negócio próprio em que minha paixão pela leitura pudesse ser útil.” Assim nasceu a Crisálida Livraria e Editora (Belo Horizonte – MG; www.crisalida.com.br), em 1999, fruto da iniciativa de Oséias Ferraz, que hoje toca o negócio com sua mulher, Imaculada — ela cuida da parte administrativa e de uma loja de livros infantis. Atualmente, o selo conta com 52 títulos, entre prosa e poesia antiga (em português ou em traduções) e ensaios de história e cinema.

Com tiragens médias de 1,5 mil exemplares, os títulos que deram maior projeção à editora foram Canções da inocência e da experiência, do poeta inglês William Blake, e as edições bilíngües, latim-português, de clássicos como Rompendo o silêncio, de Quintiliano; Satyricon, de Petrônio; História de Roma — Livro I, de Tito Lívio; e Bucólicas, de Virgílio, livros até então dificílimos de serem encontrados.

Outra surpresa, “por incrível que pareça”, é o sucesso que faz no catálogo… Machado de Assis. “Optei por publicar textos pouco conhecidos dele”, argumenta Ferraz. Assim, foram lançados seu livro de estréia, Queda que as mulheres têm para os tolos, de 1861, “que era ignorado e praticamente ninguém sabia que não era obra própria, mas uma tradução!”; o ótimo ensaio Machado de Assis tradutor, do francês Jean-Michel Massa; e Três peças francesas traduzidas por Machado de Assis, até então inéditas, localizadas por Massa.

Ferraz explica que no início a livraria bancava a editora, mas hoje o faturamento já cobre os custos de produção. “Fora eventual patrocínio, via leis de incentivo, não aceitamos dinheiro de autores/tradutores.” Por isso, não tem intenção de crescer, além dos seis volumes que publica por ano: “Nossa estrutura é pequena e os projetos próprios em andamento já tomam todas as nossas energias e recursos”. Os próximos títulos previstos são os ensaios inéditos de D. H. Lawrence, reunidos no Livro luminoso da vida, e Appendix Vergiliana, poemas de Virgílio, inéditos em português, em tradução de Márcio Gouvêa.

Editora Horizonte
A aposta de Eliane Alves, proprietária da Editora Horizonte (Valinhos – SP; www.editorahorizonte.com.br), fundada em 2005, é rechear o catálogo, composto atualmente por 22 títulos, de ensaios acadêmicos e romances contemporâneos. “A principal motivação é incentivar e difundir as pesquisas nas áreas humanas”, explica. Com tiragens médias de mil exemplares, e com a colocação no mercado de 4 a 5 títulos novos por ano, a editora conta com alguns puxadores de venda, como Comunicação empresarial, de Rivaldo Chinem, Televisão digital interativa, de Edna Brennand e Guido Lemos, e o excelente Redes da criação — construção da obra de arte, de Cecilia Almeida Salles, lançado em 2006, já em 2ª edição, e traduzido para o espanhol.

Eliane aceita examinar originais de autores brasileiros estreantes ou não, nos gêneros romance e ensaio acadêmico. “Se aprovada a publicação do livro, passamos para a etapa de captação de recursos — via instituições como Fapesp, CNPq e outras, ou leis de incentivo à cultura, como Roaunet ou Proac.” A intenção da Horizonte é crescer, “mas devagar, selecionando bem os títulos, e não abrindo mão de editar livro a livro para que mantenham sempre o mesmo padrão de qualidade”. Estão previstos, para os próximos meses, Deslocamentos de gênero na narrativa contemporânea brasileira, coletânea sobre a representação da mulher na literatura, organizada por Regina Dalcastagnè e Virginia Maria Vasconcelos Leal; Leitor real e teoria da recepção: travessias contemporâneas, de Robson Coelho Tinoco; Literatura de cordel, organizado por Regina Dalcastagnè; Corações suspensos, romance de Arlindo Gonçalves; e o novo livro de Cecília Almeida Salles, Arquivos de criação: arte e curadoria.

Ibis Libris
Criada em 2000 pela poeta Thereza Christina Rocque da Motta, e formalizada dois anos depois, a Ibis Libris (Rio de Janeiro – RJ; www.ibislibris.com.br) tem hoje em seu catálogo 150 títulos, dos quais cerca de 70% dedicados à poesia. A fundação da editora se deu absolutamente por acaso, conta Thereza: “Ricardo Muniz de Ruiz me procurou no final de 1999 para fazer a revisão de seu livro, Poesia profana. Após conversamos, ele me convenceu a publicá-lo, sem saber que aquilo iria selar meu destino. Então, outros poetas passaram a pedir que fizesse seus livros também. A motivação era mostrar a produção poética local e dar qualidade editorial a essas publicações”.

Segundo Thereza Christina, o título que lançou a Ibis Libris de forma consistente no mercado editorial foi São Jorge: Arquétipo, santo e orixá, um estudo da museóloga Maria Augusta Machado, publicado em 2008, que marcou uma importante mudança de rumo editorial. A partir daí, saíram a tradução de Carmina Burana; Caymmi e a Bossa Nova, de Stella Caymmi; 154 Sonetos de Shakespeare, comemorando os 400 anos da primeira edição; Os últimos poemas de amor, de Paul Éluard; e Pranto por Ignacio Sánchez Mejías, de García Lorca.

A Ibis Libris aceita examinar originais de autores brasileiros em todos os gêneros, poesia, conto, romance, teatro, biografias e estudos de história e filosofia. No caso de estreante, em geral, o autor paga a edição. “A editora fornece todos os caminhos para que o livro seja bem lançado no meio editorial, com assessoria de imprensa, divulgação e distribuição em boas livrarias.” O investimento próprio tem se concentrado em traduções, títulos em domínio público e autores veteranos, como Neide Archanjo, Álvaro Alves de Faria e Antonio Torres, além de bons poetas ainda não devidamente reconhecidos, como Tanussi Cardoso, Astrid Cabral, Suzana Vargas e Rita Moutinho.

Publicando em média 20 títulos novos por ano, os próximos lançamentos previstos são Cantos de Bilítis, de Pierre Louÿs; A tarde de um fauno, de Mallarmé; O corvo, de Edgard Allan Poe; Dançando o sonho, de Michael Jackson; O unicórnio e outros poemas, de Anne Morrow Lindbergh; Confissão geral — 50 anos de poesia de Fernando Py; e Máquinas do mito, ensaio sobre poesia, de Afonso Henriques Neto.

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Luiz Ruffato

Publicou diversos livros, entre eles Inferno provisório, De mim já nem se lembra, Flores artificiais, Estive em Lisboa e lembrei de você, Eles eram muitos cavalos, A cidade dorme e O verão tardio, todos lançados pela Companhia das Letras. Suas obras ganharam os prêmios APCA, Jabuti, Machado de Assis e Casa de las Américas, e foram publicadas em quinze países. Em 2016, foi agraciado com o prêmio Hermann Hesse, na Alemanha. O antigo futuro é o seu mais recente romance. Atualmente, vive em Cataguases (MG).

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